Embora falar de gênero e sexualidade na escola seja muitas vezes percebido como um tabu, a escola fala sobre gênero e sexualidade o tempo inteiro: nas performances de masculinidades tantas vezes agressivas e opressoras adotadas por muitos rapazes; nas diversas formas de silenciamento e constrangimento impetradas àquelas pessoas que não se adequam às normas de gênero e sexualidade vigentes; nas formas específicas de discriminação que se escondem sob o vasto guarda-chuva do bullying; nas interdições por gênero em detereminadas atividades (como o futebol para meninas e mulheres) e áreas de conhecimento (como as ciências exatas para meninas e mulheres); nos entraves enfrentados por mulheres mães, tanto as trabalhadoras da educação como quanto estudantes com filhos; etc.
A importância de falar sobre gênero e sexualidade na escola está justamente em tomar as rédeas dessa conversa. É nosso dever enquanto trabalhadores da educação assumirmos essa responsabilidade, atuando como mediadores e orientadores de crianças, adolescentes e adultos em formação e qualificando o debate no espaço escolar - e para além dele.
Para tanto, é fundamental assumir duas premissas centrais. Primeiro, que não é possível abordar gênero e sexualidade de forma isolada das demais relações sociais que se determinam mutuamente e criam as condições de nossas vidas. Essa abordagem que considera as diferentes relações sociais em sua integralidade tem sido nomeada majoritariamente como interseccionalidade (COLLINS, 2022), embora haja outras tradições teóricas que busquem o mesmo objetivo (FERGUSON, 2017). Essa abordagem permite ir além de uma perspectiva binária e simplista que trata “mulher” e “homem” como termos universais e unívocos, apagando as diferenças e desigualdades internas a estes grupos. Falar de gênero, assim, também implica falar de relações raciais, sexualidade, classe social etc.
A segunda premissa tem a ver com a relação entre gênero e sexualidade. Embora estes termos com frequência andem juntos, e de fato guardem significativas relações internas, é necessário sublinhar suas especificidades. Compreender, por exemplo, a diferença entre identidades de gênero (o gênero com o qual uma pessoa se identifica) e orientações sexuais (as formas de expressão de desejo e atração sexual) deve fazer parte do repertório de educadores e educadoras. A sigla LGBTQIA+ traz em si diferentes expressões de gênero e sexualidade, inclusive aquelas que não se conformam em binarismos homem/mulher ou hétero/homossexual. Perceber essas especificidades e ensinar essa pluralidade aos nossos estudantes é vital para cultivar respeito, autoconfiança e espaços seguros de troca e afeto.
O presente e-book aborda diversas questões relativas a essa importante conversa sobre gênero e sexualidade no espaço escolar. Além de focalizar os grupos socialmente minorizados, como mulheres, pessoas trans, homossexuais, entre outros, os autores que compõem este livro também discute as masculinidades, fazendo o importante exercício de colocar a própria norma em questão, como nos convida a fazer Fernando Seffner (2013).
Outro tema fundamental abordado são as dinâmicas de violência de gênero, como o feminicídio e a violência doméstica, que exercem impactos diretos no espaço escolar. O tema da educação sexual, tantas vezes mistificado por narrativas conservadoras, também aparece neste volume. A educação sexual deveria ser uma temática transdisciplinar central na escola, mas com frequência é relegada à disciplina de ciências/biologia de forma estritamente ligada à fisiologia. Apesar disso, ela guarda o potencial de prevenir violências e abusos, bem como de práticas de segurança, consentimento e autoconfiança.
Gênero e sexualidade - assim como raça e classe social - são marcadores fundamentais para pensar o espaço escolar como um todo, inclusive os trabalhadores que constroem cotidianamente este espaço. Nesse sentido, são abordadas aqui temáticas como a feminização da docência e o trabalho de limpeza e de cuidado exercido na escola - cujas responsáveis em geral são mulheres não-brancas terceirizadas.
Este e-book tem o potencial de contribuir com esta conversa - já em curso, como argumento - sobre gênero e sexualidade no espaço escolar, qualificando o debate através de pesquisas e experiências pedagógicas diversas. Espera-se que a leitura dos trabalhos aqui reunidos auxilie nessa conversa tão fundamental.