Escritos entre os anos de 1932 e 1993, os diários do escritor português Miguel Torga constituem um imenso legado para a literatura testemunhal. Os grandes cataclismos do século XX – Guerra Civil Espanhola, 2ª Guerra Mundial, holocausto, ditadura salazarista – ganham ali dramática e lúcida representação. Face à guerra e ao genocídio, o narrador posiciona-se como testemunha de seu tempo, ainda que afirme em várias passagens ser impossível encontrar palavras para deixar testemunho de sua dolorosa experiência histórica. No dizer acertado de Seligmann-Silva, “estar no tempo ‘pós-catástrofe’ significa habitar essas catástrofes” (O local da diferença, p. 63). Vivente de uma era catastrófica, em um país bloqueado pela ditadura, é preciso tentar comunicar o horror para não sucumbir à negação e à amnésia que ameaçam apagar a barbárie da memória coletiva. A tensão entre a necessidade de expressão e a dificuldade em expressar ganha no Diário uma dimensão em que se coadunam, ainda que em bases instáveis, os projetos ético, estético e confessional do escritor.