O trabalho discute a problemática da literatura de periferia brasileira a partir do enquadramento recorrente da crítica em relação à Quarto de despejo: diário de uma favelada (1960), de Carolina Maria de Jesus, Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins, e Capão pecado (2000), de Ferréz, obras muito distintas entre si, que são tomadas seguidamente como exemplos de testemunho, termo usado como sinônimo de narrativa documental, sem que se desdobrem as peculiaridades de cada uma delas como construções simbólicas e sem tampouco que se compreenda o sentido profundo que a noção de testemunho implica. Esta abordagem restritiva desconsidera, por exemplo, as marcas de gênero da escrita de Carolina, a força lírica da narrativa de Lins e igualmente a dimensão performática dos enunciados de Ferréz. Partindo dos estudos sobre o testemunho de Marcio Seligmann-Silva e Jaime Guinzburg, propõe-se, na conclusão do texto, o entendimento das referidas obras como efetivamente dotadas de forte teor testemunhal, que se manifesta de modo diferenciado em cada escrita, o que não exclui a sua dimensão estética, mas a ressignifica, originando tensões em um meio intelectual ainda pautado por noções estanques acerca do literário e do histórico.