Enquanto Cidade de Deus (LINS, 1997) narra a violência do tráfico no conjunto habitacional homônimo entre as décadas de 1960 e 1980 dentro do estado liberal ausente brasileiro; Trilogía sucia de La Habana (GUTIÉRREZ, 1998) narra a supervivência material e uma economia do desejo no bairro de Centro Habana durante o chamado Período Especial, nos anos 1994-1995, dentro do estado socialista onipresente cubano. De uma perspectiva neo-gramsciana, os romances “articulam” de um novo sujeito político, vinda da revisão das categorias de estado e hegemonia de viés pós-estrutural (LACLAU, 2001). Com efeito, a ficção realista do estado falido—por parte de narradores “apolíticos” nos anos 1990s divididos entre o fim das utopias e o anelo pela democracia—faz sintonia com a indignação do leitor-cidadão contemporâneo. Primeiro: para reconhecer, por um lado, a herança latino-americana da exclusão social dos sujeitos historicamente marginalizados (MIGNOLO, 2012), e por outro, a atualidade desta exclusão nas tendências político-partidaristas representadas ou ausentes nos romances. Segundo: para reconhecer essa escrita e a sua leitura como atos democráticos que têm como o objetivo “se identificar” com aquele sujeito desfavorecido na história e assim “articular” um novo posicionamento de disposição coletiva transformadora. Conclui-se que tal projeto, literário e não literário, democratizante e transformador, a despeito dele, corre o risco de ser tão falido quanto o estado que representa. Isto devido à prática disfuncional de leitura no subdesenvolvimento latino-americano (CÂNDIDO, 1989) que impede desarmar, no caso, os aparelhos hegemônicos tanto conservador quanto unipartidarista dos estados liberal ou socialista ficcionalizados.