Ao longo dos séculos, o corpo feminino fora marcado por múltiplos significantes. Em civilizações construídas sobre o terreno matriarcal, por exemplo, era venerado como entidade propulsora da fertilidade, não sofrendo quaisquer atos de subordinação masculina. Com a assunção do patriarcado, instaura-se um novo revestimento simbólico que subsume a subjetividade da mulher a uma condição subalterna. Doravante, corpo e desejo são amordaçados em nome de duas únicas finalidades: satisfação sexual masculina e procriação da espécie. Em contrapartida, como movimento de resistência e contestação, o feminino erigiu rotas oblíquas, angariando modos de dizer sobre o desejo e suas vicissitudes. É nesse cenário que o pathos histérico enraiza-se e dá sinais de intensa vivacidade, ao transformar, em sintomas somáticos, o silenciamento imposto às mulheres. Coube, aliás, a Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) o empreendimento teórico capaz de aclarar a íntima relação entre histeria e repressão, entre controle e liberdade. Nossa pesquisa, numa interface entre literatura e psicanálise, propõe-se a refletir acerca da representação do corpo e da feminilidade na obra A casa dos budas ditosos (1990), de João Ubaldo Ribeiro. Consideraremos as engrenagens do discurso erótico em sua articulação com a expressão psíquica da protagonista, de tal sorte que os excessos delatam as faltas e os vazios.