A literatura traz, em seu bojo, as múltiplas representações que os sujeitos fazem de si e do outro, ao longo dos tempos e nos mais diversos espaços. Num cruzamento entre forma e conteúdo, entre estética e subjetividade, a tessitura literária acompanha a dinâmica da cultura, em suas contradições e conflitos. Sob esse prisma, os reveses da identidade ecoam em seus flancos, ora em desenhos opacos e tortuosos ora em imagens pacificadoras. É assim, por exemplo, que a homossexualidade adentra no espaço artístico, em fragmentações que oscilam entre a aceitação e o medo, a repulsa e o afeição. Não por acaso, pesquisas, nas mais variadas áreas do saber, buscam entender a dinâmica do desejo homossexual, no intento de fazer dissipar a bluma da ignorância que ainda engessa concepções conservadoras sobre o sexo e a sexualidade. Eis a proposta de nossa pesquisa: examinar, na literatura contemporânea, as estruturas de poder que fomentam discursos e imagens, por vezes ruidosas, sobre as relações homoafetivas, tornando visíveis as exclusões e interdições impostas a indivíduos assumidamente “diferentes”. Como arcabouço teórico, recorremos às teorizações de Michel Foucault, em sua História da Sexualidade (2011), aos estudos de Eve Kosofsky (2004) e de Guacira Louro (2008). Nossas reflexões sustentam-se na leitura do conto Sargento Garcia, de Caio Fernando Abreu. A narrativa aborda, na perspectiva do protagonista, a descoberta da identidade sexual e o desejo homoerótico.