Ainda que a sexualidade humana possa, por sua natureza essencialmente plástica, assumir as mais diversas configurações, observamos, no decorrer da história, a emergência de discursos que visam domesticá-la. Emaranhado nas teias da repressão, o homem, no intuito de subjugar suas paixões mais voláteis, esforçou-se em erigir barreiras ao redor dos domínios do sexo, restringindo, assim, as possibilidades de gozo consideradas legítimas. Esses movimentos de rechaço e contenção do prazer manifestam-se de maneira particular no bojo de cada civilização, servindo-se, para tal, de preceitos de ordem mítico-religiosa e/ou médico-legal. Contudo, não foram poucos os sujeitos que, entregando-se aos impulsos da voluptuosidade e da devassidão, ousaram transgredir os limites impostos pela cultura para vivenciar uma sexualidade dissoluta, sem amarras. A literatura erótica é copiosa em registros desta sorte, ao trazer à tona personagens desinibidos que corrompem qualquer visão higiênica do sexo. Eis o caso, por exemplo, de A Vênus das peles (1870), do escritor austríaco Sacher-Masoch (1836 – 1895). A narrativa retrata a túrbida relação de Severin e Wanda, forjada através de um contrato que estipulava os papéis de cada um no seu teatro erótico: ele, como escravo, e, ela, como tirana. Numa dialética fúnebre, em que sofrimento, prazer, dor e, acima de tudo, luxúria, fusionam-se ao ponto de serem indissociáveis, os amantes encarnam fantasias de feições muitas vezes aniquiladoras. Destarte, munidos do aparato teórico da psicanálise de base (pós)freudiana, propomos uma leitura do texto literário em foco, que se proponha demarcar as representações do sofrimento psíquico e a maneira pela qual este irá conduzir a lógica masoquista que rege a vida sensual dos personagens.