O presente trabalho tem por objetivo comparar estruturalmente dois contos do escritor paulista João Antônio: “Malagueta, Perus e Bacanaço” (1963) e “Paulinho Perna Torta” (1965). A longa narrativa “Malagueta, Perus e Bacanaço” de João Antônio fecha o livro de contos homônimo publicado em 1963. O conto, que narra as virações de três malandros pelas ruas da cidade, é estruturado de forma toponímica já que os capítulos são intitulados de acordo com o espaço onde se desenrola a narrativa: Lapa, Água Branca, Barra Funda, Cidade, Pinheiros e, novamente, Lapa. O regresso dos malandros ao ponto de partida confere ao enredo uma circularidade espacial, que representa imageticamente uma temporalidade mítica, fechada em si mesma. Esse tempo circular é a expressão da eternidade, cuja ideia de permanência, ou não transformação, associa-se à imutável perfeição estática da divindade, avessa às transformações histórico-sociais. Do enredo, infenso às transformações do tempo cronológico, emerge a figura do malandro, que, plasmada com a mesma matéria imutável e permanente do mito, aproxima-se da imagem culturalista fixada no imaginário popular, enquanto se afasta do seu dinamismo histórico-social. A narrativa “Paulinho Perna Torta” se desenvolve a partir de uma estrutura cronológica de tempo, o que lhe permite uma representação distinta da figura do malandro, aproximando-a da sua realização histórica na medida em que a distancia da cultural. A transformação do protagonista – que começa a narrativa como um miserável engraxate, torna-se malandro e depois rei do crime – aponta para uma metamorfose social verificável na sociedade brasileira: a transformação da malandragem em marginalidade. A fundamentação teórica da análise parte da sequência crítica de textos inspirada no ensaio “A dialética da malandragem” de Antonio Candido: “Pressupostos, salvo engano, de ‘A dialética da malandragem’” de Roberto Schwarz; “O espírito rixoso: para uma reinterpretação das Memórias de um sargento de milícias” de Edu Teruki; e a “Dialética da marginalidade” de João Cezar de Castro Rocha.