A narrativa oral “João sem medo”, coletada entre vigias noturnos da cidade de Castanhal-PA, pertence a uma extensa e antiga família de narrativas, cujas variantes têm como tema central o rapaz destemido que sai de casa à procura de aventuras que o possibilitassem o aprendizado do medo. Tal arquétipo do rapaz destemido figura, inclusive, em versões famosas, como a do conto Märchen von einem, der auszog, das Fürchten zu lernem (KHM, nº 4), que integra a coletânea de narrativas tradicionais reunidas pelos Grimm, no alto romantismo alemão. O escritor potiguar Nei Leandro de Castro, autor do romance As pelejas de Ojuara (2006), apropriou-se de narrativas oriundas do repertório oral comum ao Nordeste brasileiro, traduzindo-as para a literatura durante o processo de composição de sua obra. Dentre tais narrativas se destaca a estória de “João sem medo”, a qual compõe na obra parte das aventuras do herói Ojuara. Tal narrativa ganha ainda maior destaque no que diz respeito à adaptação fílmica, constituindo o episódio no qual se dá o primeiro encontro entre Ojuara e seu antagonista: o diabo. O presente trabalho pretende, portanto, a partir de perspectiva comparatista, tomar este conto como metáfora da errância dos contos tradicionais, discutindo, desse modo, os processos de tradução intersemiótica, à luz de André Bazin e Julio Plaza, pelos quais passa a narrativa oral “João sem medo” em seu percurso da oralidade à literatura, e da literatura ao cinema. Visa, também, abordar conceitos como performance, mediação e empenho do corpo, envolvidos nos processos de tradução a que é submetida a narrativa, à luz de Paul Zumthor.