Os tempos ditos líquidos diluíram fronteiras políticas e culturais, gerando crise, inclusive para a ação educativa que perdeu suas certezas quanto ao que e como ensinar. Nesse contexto, ser professor de literatura na educação básica exige fazer frequentes e angustiantes escolhas. É necessário escolher entre manter-se fiel à tradição ou ser receptivo ao gosto dito popular e às obras classificadas como de massa; é preciso escolher entre um sem-número de metodologias, que ora desmembram o texto em métrica e figuras de linguagem, ora o reverenciam de longe com medo de utilitarizar o livro. São escolhas angustiantes porque, por vezes, parecem executadas na mais completa solidão. Impressão que, no entanto, revela-se enganadora, já que nos acompanham uma série de discursos provenientes das mais diversas esferas sociais das quais participamos e que determinam nossas escolhas de forma nem sempre perceptível. O presente artigo constitui parte de um trabalho dedicado a identificar fatores determinantes da seleção de obras literárias que os professores de uma instituição de ensino fazem ao longo de um ano para seus alunos. Para isso, contará com referenciais teóricos desenvolvidos pelo Círculo de Bakhtin. Segundo Volochínov, a ideologia que determina comportamentos do sujeito não reside apenas na consciência abstrata e individual, ela possui uma porção objetiva materializada em enunciados e discursos que circulam socialmente. O trabalho a seguir objetiva ser um exercício de identificação das ideologias que impregnam alguns desses discursos especialmente construídos para professores e que circulam em catálogos de editoras e na mídia. A experiência revela o que se espera, socialmente, do trabalho com a literatura, bem como o modo como a leitura e o leitor em formação são concebidos em nosso tempo.