As memórias podem ser analisadas como linguagem e discurso entrelaçados aos diversos contextos. Por meio das lembranças relembram-se situações que perfazem um caminho ao mesmo tempo linear e incerto e a escrita configura-se como eterno redescobrir. Segundo Josso (2004) o processo de reviver consiste em ir ao encontro de si visando ao mesmo tempo descoberta e compreensão de que viagem e viajante são apenas um. Em se tratando de narração de experiências Souza (2006) destaca que a pessoa parte dos significados e representações relacionados à experiência, logo, a arte de narrar como descrição de si instaura-se em um processo metanarrativo que manifesta o que ficou retido na memória. Conforme Delory-Momberger (2008) as pessoas não apenas se narram como se reinventam e as memórias refletem e sugerem aprendizagens representadas nas e pelas histórias vivenciadas. A memória, segundo Benjamin (1994), empurra ao passado por meio do presente configurando uma viagem necessária para que alguém traga à tona os encadeamentos históricos da sua vida ou do outro. As crônicas são recorrentes na historiografia literária nacional. Maria Feijó de Souza Neves, em Alecrim do tabuleiro, escrito entre 1970, 1971 e 1972 e publicado no Rio de Janeiro (1972) descortina a Alagoinhas do começo do século XX, ressaltando conflitos e prazeres em meio a descrições de ruas, praças e rios. Do livro de crônicas A estrada por onde passei (2011), autoria de Luzia das Virgens Senna, natural da cidade baiana Queimadas, resplandece uma época em que a escritora, sertaneja, colocava seu traje apropriado e se encaminhava à lavoura ao tempo em que alimentava o sonho de morar em uma cidade grande para melhorar sua vida e da futura família. Luzia Senna narra façanhas alegres e tristes entre as fazendas por onde viveu e passou ao lado da breve passagem pelo Rio de Janeiro e o retorno a Alagoinhas. Das crônicas que o compõem surgem acontecimentos que enriqueceram sua vida em meio a histórias de famílias, ruas, praças, cidades, festejos e mudanças. No século XX valorizam-se as cidades, porque as mudanças sociais e políticas configuram um convite à vivência das transformações e Alagoinhas se transformou em alvo perfeito para contemplação das escritoras. Por isto, mesmo diante de tantos impasses conseguiram por em prática seus pensamentos como forma de dizerem “estamos aqui”. Sob a égide do pensamento patriarcal as escritoras foram regadas e através da escrita manifestaram (in) satisfações e desejos. Evocar, narrar e atribuir sentido às experiências permite ao sujeito interpretar recordações como etapa vinculada à formação a partir da singularidade de cada história de vida. (SOUZA, 2006). Maria Feijó e Luzia Senna permitem, através de suas produções memorialísticas, que sejam revelados episódios marcantes vividos em tempos de submissão e silenciamento das mulheres.