O espaço pode ser concebido como coincidência de numerosos espaços (na expressão de M. Foucault, heterotopia). Enquanto espaço simbólico, a terra não seria, portanto, fixa: à guisa dos planetas (planētēs, errante) ou dos flâneurs, estaria submetida ao movimento – seja deslocamento físico ou, naturalmente, mental/espiritual. Nesse sentido, a ideia da terra como passagem deve ser recordada desde formulações bastante recuadas: já entre os Antigos, alguns lugares da topografia grega seriam investidos alegoricamente da propriedade da passagem (para outro mundo). Não por acaso, a concepção do espaço sobreposto por outros espaços é frequente nos teóricos da chamada virada espacial e enriquece o pensamento sobre a terra. Será nossa oportunidade apreciar alguns autores, como Haroldo de Campos, a partir do modelo geomórfico de Dante (já chamado por Auerbach de “poeta do mundo da terra” – uma tradução possível para "Dichter der irdischen Welt"). A terra sempre foi um horizonte persistente do literário; no entanto, a prevalência de abordagens historicistas da modernidade (tirantes exceções dignas de nota) operou um recalque evidente do espacial na crítica e na teoria. Supomos que a geocrítica, a cartografia e o itinerário literários possam perseguir uma hermenêutica espaço-temporal da terra múltipla e movediça presente, por exemplo, n’A Máquina do Mundo Repensada, de Haroldo de Campos.