Teus risonhos lindos campos: figurações do espaço no filme Terra EstrangeiraRoniere Menezes – CEFET-MG Este ensaio pretende analisar o filme Terra estrangeira, de Walter Salles e Daniela Thomas, de 1995, buscando ressaltar ideias relativas às noções de terra, espaço e hospitalidade. Conceitos oriundos do campo geográfico, da filosofia contemporânea, dos estudos literários e cinematográficos contribuirão para a análise. O filme inicia-se apresentando, como pano de fundo, o Brasil do início dos anos 90 do século XX. Com a instauração do Plano Collor, desabam os sonhos de uma simples costureira paulistana de retornar à cidade natal, San Sebastian, na Espanha. Com a morte da costureira, Paco, seu filho, sem rumo, sem dinheiro, após falhar em um teste de teatro, onde, ironicamente, representaria trecho de Fausto, sente-se completamente impotente e termina entrando em uma complexa rede criminosa de tráfico de pedras para Portugal. O filme enfoca a emigração como fuga de um país que não oferece perspectivas aos jovens, revela o Brasil apenas como terra de onde se extraem riquezas e onde há um povo a ser constantemente usurpado e explorado, apesar da biopotência presente em seus corpos, pronta a surgir a qualquer momento, como já assinalara Euclides da Cunha em relação ao nordestino. No filme, em preto e branco, o enredo instigante, a linguagem bem elaborada, a competente trilha sonora aliam-se a temas relativos ao espaço público e privado, ao território local e estrangeiro, à tentativa de ultrapassar fronteiras espaciais, sociais e econômicas. Imagens da fuga, do acaso, da violência, do caos e da desilusão, mescladas a fortuitos lampejos libertários e afetuosos fazem de Terra estrangeira um marcante filme brasileiro contemporâneo. O texto apresenta-se como ótima instância para se pensar sobre o Brasil, sua terra, sua gente; sobre as noções de fronteira, desterritorialização e reterritorialização; sobre identidades que se constroem no jogo com a alteridade; sobre o questionamento do conceito habitual de hospitalidade; sobre o lugar incerto e desamparado – sem o apoio da “terra mãe” – ocupado por vasta parcela da juventude brasileira no final do século XX. Na época, muitos jovens do país partiam mundo afora, em busca de utopia, aventura e aconchego, encenando novas versões do cosmopolitismo.