Esta comunicação tem por objetivo oferecer uma leitura da cidade moderna, a partir das narrativas de dois dos mais relevantes contistas do final do século XX no Brasil: João Antonio e Caio Fernando Abreu. Ambos possuem projeto literário voltado para a compreensão do desenvolvimento irreprimível da metrópole e suas profundas cicatrizes sociais, como a desumanização e a exclusão daqueles que não convêm. Para tanto, selecionamos duas narrativas que são representativas do universo literário dos autores. São elas os contos “Abraçado ao meu rancor” (1986), de João Antonio, e “Linda, uma história horrível” (1988), de Caio Fernando Abreu. Interessa-nos discutir a representação da cidade, catalisada, sobretudo pela tensão entre presente e passado, que desemboca na relação entre primitivo e moderno. A rememoração eivada de nostalgia é analisada a partir dos preceitos de Walter Benjamin, que considera o movimento ao passado como possibilidade de crítica do presente. Trata-se, portanto, de um método de resistência diante da mecanização da vida e do empobrecimento das relações. Tendo em vista a concepção do autor alemão, e resgatando Willi Bolle, acrescentamos ainda que a escolha por dois autores que produziram na década de 80 considera a consciência pessimista da história que marcou essa geração de escritores. Observamos, por fim, que as narrativas travam relação com uma cidade real: São Paulo. No caso de Caio Fernando, a metrópole surge cinzenta, caótica e solitária em aparente oposição à cidade de infância, associada ao campo. Destituída de descrição, a cidade grande é relatada a partir de ambientes fechados, como o apartamento. Essa presença pouco física da cidade revela uma estratégia narrativa que intenciona entranhar a paisagem de São Paulo às pessoas. No desfecho de “Linda, uma história horrível”, o corpo do protagonista marcado pelos sintomas da AIDS tem profunda relação com a vida desprovida de afeto proporcionada pela cidade grande. Já no conto de João Antonio, a São Paulo moderna entra em embate com a que já foi um dia, justamente a partir do contato do personagem com a rua, ressaltando os códigos de ética que se perderam, os bairros que se redesenharam, culminando numa geografia impessoal e excludente. Sendo apresentado como um palco de constantes transformações, o espaço citadino resulta em algo totalmente diverso, potencializando a falta de vínculos dos personagens com o mundo. Dessa forma, observamos que essas narrativas traduzem com que potência a avalanche do capitalismo imprimiu sua força no espaço urbano, cabendo a nomes como João Antonio e Caio Fernando Abreu buscar compreender o processo de transformação estabelecido.