Nas literaturas africanas de língua portuguesa, os galinheiros são representados como lugares prediletos para esconderijo das crianças; é dentro desses refúgios, entre galinhas, grãos e restos, que são trocados segredos e sanadas feridas abertas pela violência que assola os territórios vitimados por anos seguidos de guerras. Neste trabalho, focalizamos duas ocorrências em que os galinheiros configuram-se como lugares de refúgio: no romance "Terra sonâmbula", de Mia Couto (1993), o filho mais novo da família é alijado da casa familiar e passa a morar no galinheiro, figurando assim a esperança paterna de livrá-lo dos ataques dos bandos e salvar-lhe a vida. Tal episódio ocorre dentro da narrativa autodiegética que compõe o segundo nível narrativo, metadiegético, do romance. Também no conto “No galinheiro, no devagar do tempo”, de Ondjaki (2007), o espaço de criação das galinhas constitui-se em retiro eleito pelas crianças; distantes do mundo dos adultos, é ali que se trocam confidências silenciosas e se fazem pactos de amor que constituem bálsamo para as esperanças desfeitas pela pobreza extrema. O narrador homodiegético tem percepção limitada dos fatos ocorridos, embora capte deles o essencial, que é a impossibilidade de que a vida valha mais que os grãos de milho esfacelados no chão do galinheiro.