Na Espanha, a necessidade de reivindicar a razão individual sobre a social, e a pressão que exercem as ideias sobre a impossível relação de identidade entre o sujeito e sua representação escrita que estimula o escritor autobiográfico a buscar algo no seu autodiscurso que o desconecte do paradigma moderno, coincide com as transformações sociopolíticas e as consequências estéticas que surgiram com a superação do experimentalismo que se havia imposto nos anos 60, como reação à ditadura do compromisso social. Com a morte de Franco e o fim da ditadura, a confluência entre fatores sociais e literários ocasiona, a partir de 1975, uma proliferação no mercado editorial de obras biográficas e, principalmente, autobiográficas. O período de transição do regime ditatorial ao democrático (1975 a 90) provocou grandes transformações que ultrapassaram o âmbito meramente econômico e político e, naturalmente, interferiram de forma decisiva nas regras que condicionam a criação artística, principalmente no que diz respeito à expressão do imaginário no discurso narrativo. Era de se esperar que com a maior liberdade para o debate de ideias, e para a expressão individual destas, surgisse a necessidade de reconstruir a personalidade literária em crise através da valorização dos microrrelatos de onde emerge a figura do escritor e seu processo de autoconhecimento. Sob esta perspectiva, analisaremos o livro A louca da casa, publicado na Espanha em 2003, da escritora e jornalista espanhola Rosa Montero, com o objetivo de demonstrar como este livro de estrutura narrativa de natureza ambígua, situando-se entre o ensaio, a autobiografia e a ficção, pode ser considerado como a obra mais pessoal da autora, ainda que os trecho "autobiográficos" sejam relatados usando recursos ficcionais e mesmo quando a escritora debruça-se sobre a vida e trajetória literária de outros escritores em um impulso biográfico estará contando a sua própria vida, pois, como consta na breve biografia publicada em seu site oficial, ela acredita que observar e escrever sobre certas vida alheias nada mais é que uma ajuda para viver a sua própria.