Em Venenos de Deus, remédios do Diabo, Mia Couto explora a temática do conflito de culturas a partir da problematização do uso da Língua Portuguesa. Na história, o português Sidónio Rosa viaja para Vila Cacimba, uma região imaginária de Moçambique, para saber o paradeiro de Deolinda, mulher por quem se apaixonara em Portugal. Nessa Vila, depara-se com histórias desencontradas, com um cenário vacilante, onde tudo pode ser ou não, dependendo de quem está com a palavra. A Vila é puro nevoeiro verbal. Nesse romance, a Língua Portuguesa, que aparentemente seria um dado de união entre portugueses e moçambicanos, está envenenada, endoidecida e, ao invés de tranquilizar, só marca o desencontro de culturas. As histórias de Vila Cacimba, as próprias memórias moçambicanas, mediadas no romance por um uso singular da língua, aparecem como fronteiras líquidas, porque em permanente construção. Portanto, qualquer percepção cristalizada é questionada por um cenário que constantemente gera enganos. Assim, o trabalho de linguagem no romance é orientado por um objetivo: a língua como instância capaz de suportar essa desconstrução e construção de memória, por isso a rasura permanente do código linguístico, como podemos observar no próprio título da narrativa. A língua como performance de uma identidade complexa parece ser o projeto a que se dedica Mia Couto nesse romance.