Uma marca da contística de Clarice Lispector, reconhecida pela crítica, é o caráter introspectivo da personagem, outro traço privilegiado em sua ficção é a representação de figuras femininas em seus espaços domésticos, na condição de mães, mulheres e donas de casa. O tema da dualidade do ser é marca de sua narrativa. Convém ressaltar que este trabalho é fragmento de uma pesquisa maior sobre os indícios do mito de Narciso no conto de Lispector. Neste, o enfoque é sobre a personagem central do conto “A bela e a fera ou a ferida grande demais”, integrante da obra A Bela e a Fera (1979) de Clarice Lispector, Carla de Sousa e Santos, protagonista da narrativa. Trata-se de um mulher que demonstra uma cegueira narcísica, pois as metáforas que giram em torno da figura do espelhos emblematizam a relação entre sujeito e realidade exterior e, em particular, a percepção do eu em relação ao outro e ao seu mundo circundante. Carla é identificada em nossos estudos a partir da observação de metáfora ligadas à problemática do desdobramento do eu como o espelho e o olhar. Procuramos identificar as representações do narcisismo contemporâneo presentes na narrativa lispctoriana. Importa, portanto, observar o diálogo entre literatura e mito, já reconhecido entre críticos literários, antropólogos, filósofos e outros estudiosos como marca recorrente na ficção moderna. Para a leitura aqui proposta serão fundamentais os estudos de Freud (1990) (1996) sobre o narcisismo e o estranho, os postulados de Lash (1983) e Cavalcanti (1992) sobre a cultura do narcisismo e o modo como Hall (2006) e Bauman (2005) concebem o conceito de identidade nos dias atuais e, por fim, os estudos de Rosenbaum (2002), Kahn (2005), Almeida (2004) e Sá (1979) sobre os traços característicos da obra de Clarice Lispector, dentre outros nomes que possam suscitem uma reflexão sobre a produção literária de Clarice Lispector.