A poesia que conhecemos como haicai possui uma íntima relação com a cultura e a língua japonesa. Quando transposta para um contexto sócio-cultural radicalmente diferente, inserindo-se nas tradições literárias do ocidente, essa poética sofre uma torção não apenas em seu campo linguístico e formal, mas nas próprias formas de percepção do real implícitas na composição do poema. Essa percepção passa, necessariamente, pelos campos do espaço e do tempo, na forma como eles são intuídos e explorados nas tradições literárias do ocidente e do oriente. Através da análise do haicai da rã, composto por Matsuo Bashô, no século XVII, em cotejo com duas traduções para o português do referido poema, o trabalho analisa essas torções espaço-temporais implícitas na transposição do texto. As transcrições estudadas obedecem a procedimentos distintos de tradução: o experimento poético proposto por Haroldo de Campos sobre o trabalho de Bashô e a tentativa de literalidade ensaiada por Paulo Franchetti e Elza Taeko Doi. Considera-se, em um primeiro momento, as próprias especificidades da língua e do sistema ideográfico do japonês, identificando nesses aspectos o que interfere na própria percepção do leitor. Para tanto, partimos da análise de Ernest Fenollosa, 'Os caracteres da escrita chinesa como instrumento para a poesia', que lê o ideograma como representação pictórica, possibilitando assim uma poética irredutivelmente gráfica. Essa pictografia, transposta para o sistema linguístico ocidental, exige uma redistribuição diferenciada da mancha sobre o fundo branco, refletindo de forma gráfica as experiências de espaço de cada cultura. As tentativas de Haroldo de Campos e Franchetti/Taeko contrapõem-se nesse aspecto, de acordo com as intenções e concepções de cada tradutor. Mas a experiência de espaço não restringe-se ao aspecto gráfico. Verifica-se no poema original e em suas traduções conteúdos morfológicos, sintáticos e semânticos que permitem uma visão diferenciada das concepção de espaço para cada poética. O mesmo se dá com o conceito de tempo. Observa-se que as preocupações com o tempo cíclico das estações no haicai japonês desaparece em suas traduções, sugerindo, tanto em Haroldo de Campos como em Franchetti/Taeko, uma interação diferente da arte com os ciclos naturais. Pretende-se assim investigar o que há de específico na percepção espaço-temporal de cada cultura poética, ocidental e oriental.