A presença da medicina repercute na trilogia de Valêncio Xavier – composta das obras transemióticas Minha Mãe Morrendo, O Mez da Grippe e Crimes à moda antiga – que tematizam a doença e o sofrimento impostos tanto ao corpo social como ao corpo individual. A novela Minha Mãe Morrendo é expressiva do olhar da infância sobre a morte materna, experiência-limite transfigurada no puro espanto e horror vivida pelo personagem principal, o Menino Mentido. A novela O Mez da Grippe, por sua vez, aborda a epidemia no espaço urbano, enfocando o surto de gripe espanhola que vitimou a população de Curitiba na primeira década do século XX. A provinciana capital do Paraná, de 1918, com a sua atmosfera abafada e opressiva, as notícias da guerra veiculadas pelos jornais, o surto da moléstia, os emblemas e alegorias da morte dispersos na narrativa, todo esse material polissêmico foi organizado de modo a desvelar uma expressiva cartografia de doença e morte. Por fim, no livro Crimes à moda antiga, temos a narrativa dedicada ao assassino e suposto serial killer Febrônio Índio do Brasil, cujos atos homicidas transitam na fronteira indiscernível entre perversidade e loucura: o caso Febrônio abriu importantes precedentes com respeito à criação de legislação específica ainda inexistente no país, ensejando o conflito de competências entre as áreas da medicina e do direito. Por um lado, as novelas e contos de Xavier são impregnados pela atmosfera desalentada do início do século XX, que se constituiu de forma exemplar numa cartografia macabra das abominações com o corpo e a alma dos outros. Por outro lado, o enredo mórbido e violento das narrativas xavierianas – permeadas pelo ar violento dos tempos de totalitarismos, guerras, perseguição étnicas – é igualmente sugestivo do clima de desencanto e violência existente no nosso novo século XXI.