Este trabalho propõe-se a discutir as inter-relações da escrita com o corpo e o erotismo na poética de Olga Savary. O eixo interpretativo parte do diálogo com os poemas “Acomodação do desejo I” e “Iraruca” – das obras Magma (1982) e Linha-d’Água (1987), respectivamente. No âmbito deste trabalho, o erotismo perpassa a dimensão do acontecer poético da sexualidade a partir do diálogo com Octavio Paz em seu livro Dupla chama: amor e erotismo (1994). Neste sentido, Paz revela uma forte ligação entre o erotismo e a poesia, chegando a exprimir, por meio de sua genuína veia literária, que o primeiro é uma poética corporal e a segunda uma erótica verbal. Por outro lado, a manifestação erótica é compreendida no viés proposto por Georges Bataille em sua obra O erotismo (1987), como uma forma de transgressão e violação dos interditos. A autora paraense rompe e subverte o imperativo judaico-cristão e, por extensão, o paradigma patriarcal, os quais conduziram ao silenciamento e à subordinação repressiva do corpo feminino. Críticos como Marleine de Toledo, em seu estudo Olga Savary: erotismo e paixão (2009), reconhecem Olga Savary como uma das mais importantes vozes na poesia de natureza erótica no Brasil. De fato, Savary, ao lado de Gilka Machado, Adélia Prado e Hilda Hilst, integra um seleto grupo de escritoras brasileiras que tiveram a ousadia de tratar de uma temática habitualmente vedada à mulher – e que, no entanto, se manifesta, muito embora reprimida, desde Safo de Lesbos, no século VII, confundindo-se portanto com o próprio nascimento da lírica no Ocidente. Com efeito, a poesia de Olga Savary opera uma significativa abertura na configuração de novas dimensões e horizontes de sentido acerca da sexualidade, da identidade e, sobretudo, da realização literária feminina. Escrita que se engendra no próprio corpo, legitimando-o na experiência de liberação seja no manifestar do poético, seja no do erótico. No plano essencialmente plástico e metafórico de seus poemas, a encenação carnal dos amantes transmuta-se na mobilidade e na fluidez do movimento incondicionado das águas. Sendo assim, a poética da escritora celebra a dimensão do corpo em todo a sua condição de devir e de ambiguidade entre Eros e Thánatos – a que não se pode, em termos absolutos, subjugar –, em meio à dinâmica incessante e contingente da totalidade das coisas, que constitui, por excelência, o próprio princípio da existência. Na esfera da literatura de autoria feminina, a erótica verbal de Olga Savary converge para consolidar a produção poética da mulher e, em outra dimensão, a vigência da poesia que se inscreve no seu próprio corpo.