Artigo Anais ABRALIC Internacional

ANAIS de Evento

ISSN: 2317-157X

SÃO BERNARDO, DE GRACILIANO RAMOS, E TERRA SONÂMBULA, DE MIA COUTO: NARRADORES QUE ESCREVEM MEMÓRIAS

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Publicado em 12 de julho de 2013

Resumo

Pretendemos traçar uma análise comparativa entre os romances São Bernardo, de Graciliano Ramos, e Terra sonâmbula, de Mia Couto, tendo em vista a perspectiva do sujeito rememorante que se desenvolve em ambas as narrativas, a fim de mostrar como a memória exerce um papel estruturador e como os projetos de escrita que se entretecem nas narrativas podem apontar para diferentes interpretações das obras, considerando as fulgurações da utopia que têm lugar no texto de Mia Couto, e, por outro lado, a visão trágica que predomina no romance brasileiro. Um dos aspectos que nos leva a propor essa diferença entre os romances está relacionado fundamentalmente à figura do narrador que rememora e escreve suas memórias, uma vez que se observa que a posição do narrador reforça as perspectivas da utopia, no romance africano, e a visão trágica, no romance brasileiro, se o entendermos a partir dos tipos fundamentais tal como elaborados por Benjamin em “O Narrador”, presente no primeiro volume de Obras escolhidas (1996). Benjamin pontua a diferença entre o narrador clássico – o narrador da narrativa oral – e o narrador do romance moderno, que traz a ameaça da morte à narrativa: enquanto o narrador da tradição oral se constitui pelo intercâmbio de experiências, incorporando às suas aquelas ouvidas e vice-versa, o narrador do romance se isola, e segrega-se. Assim, em Terra Sonâmbula, se a troca de experiências e a transmissão da sabedoria é fundamental para o surgimento da identidade do personagem Muidinga, e em maior medida, da tentativa de reconstrução da identidade do povo moçambicano, em São Bernardo, o narrador é aquele que isolado e segregado em sua única e solitária realidade é incapaz de dar e receber conselhos, e assim, de intercambiar sabedoria, como elabora Benjamin acerca do narrador do romance moderno. Ao passo que o romance moderno se fecha e tem uma dimensão finita a partir do seu término, ao finalizar a busca do entendimento daquela trajetória vivida, a dimensão da narrativa oral incorporada ao romance Terra Sonâmbula lhe confere uma eternidade e durabilidade que o identificam com a próprio projeto de (re)construção da identidade de um Moçambique devastado pela guerra colonial e pós-colonial. Ressaltamos, contudo, como pretenderemos discutir neste simpósio, que a despeito da utopia carregada de sonhos e projetos traçada na narrativa moçambicana, e, por outro lado, da pungente visão trágica esboçada pela pena de Graciliano, podemos observar alguns trânsitos culturais que colocam as obras em uma sintonia, tendo em conta a perspectiva da necessidade da memória e da fundação de uma narrativa da memória que se instaura no século XX. Não obstante as “esperanças e incumpridos sonhos” de Kindzu e Muidinga e os amargos devaneios de Paulo Honório, a literatura se afirma como espaço privilegiado para sonhar, rememorar e revelar o encoberto, na tentativa de, ao menos, “acender as luzes e reparar a escuridão” (COUTO, 2007, p.198).

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