Dentre as prolíficas discussões em torno das teorias do afeto, uma questão se coloca com notável persistência: como proceder às articulações conceituais, críticas e analíticas entre diferentes instâncias de apreensão de uma obra, comumente organizadas em torno de pares tais como sensação e cognição, presença e sentido, afetivo-performativo e narrativo. Enquanto os teóricos coincidem na necessidade de discernir, em suas abordagens, aquilo que assinalaria a especificidade do conceito de afeto, os modos pelos quais as diferenciações conceituais operam no confronto com formas sensíveis e objetos específicos de análise tendem a variar enormemente. Via de regra, é mediante esse jogo de tensões que a própria história do conceito se delineia.De que maneira, então, o afeto – entendido como dimensão que implica sensações e forças assubjetivas, pré-conscientes e impessoais – se entrelaça com uma dimensão formada, elaborada conscientemente e na qual o espectador termina por investir uma série de significações? A fim de encaminhar um modo possível de acessar tais questionamentos, proponho tomar como ponto de partida um elemento específico, qual seja, a constituição da cena de encontro entre os amantes, conforme elaborada por um filme em particular: Toute une nuit (1982), da cineasta belga Chantal Akerman. Com isso, pretendo discutir em que medida um repertório imagético pervasivo, saturado de significações – o das imagens do amor no cinema – pode mobilizar componentes sensuais/sensoriais que causam uma torção nos tropos e formas sobrecodificadas da imaginação amorosa, de modo a suscitar um engajamento afetivo no espectador.Ivone Margulies (1996) define a imagem-clichê como aquela que “é conhecida antes mesmo de ser vista”, e tanto ela quanto Marion Schmid (2010) – ambas autoras de trabalhos monográficos que se estendem longamente sobre o trabalho de Akerman – coincidem em apontar o clichê como recurso expressivo relevante para a constituição do projeto estético da realizadora a partir dos anos oitenta, fase inaugurada justamente com Toute une nuit. Diante disso, perguntamos: seria a imagem clichê, dada sua sobrecodificação e exaustão, bem como a forte carga cultural, social e histórica nele investida, inconciliável com as discussões em torno do conceito de afeto? Em que medida o cinema pode, pela reapropriação de lugares comuns, estabelecer torções no repertório das imagens de amor, abrindo-as para novas potencialidades expressivas?Recorrendo também a críticos como Alain Phillipon (1982) e Dominique Païni (2004), busco argumentar que, mediante procedimentos tais como a fragmentação narrativa, a repetição submetida a variações e a serialização, bem como a colocação em primeiro plano da performatividade do corpo que elabora os gestos implicados nos movimentos da dinâmica amorosa – a espera, o encontro, o enlace, a separação –, o filme em questão logra desprender um excesso que nos leva a adiar a assimilação de tais cenas ao âmbito do já visto a fim de explorar, pelo contrário, as propriedades materiais da interação entre os amantes, encontrando aí um modo de engajamento com as imagens do amor no cinema.