O Prólogo “Ao leitor” que abre o romance Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado pela primeira vez em livro no ano de 1881, foi complementado pelo Prólogo da terceira edição, de 1896, dessa vez assinado pelo autor em pessoa, Machado de Assis, e não mais por seu personagem, o irônico defunto autor. Tanto em um quanto em outro prólogo, no entanto, enuncia-se um modelo, ou ao menos uma tipologia de romance no qual inserir-se-iam as Memórias póstumas: relembremos o rol de autores que reúne Laurence Sterne, Xavier de Maistre, Almeida Garrett – ou mesmo Stendhal e aquele que consta da primeira edição e cujo nome foi suprimido nas edições posteriores, Charles Lamb. Já é tradicional a leitura que coloca em uma mesma série literária os três primeiros “shandianos” citados e o romance de Brás Cubas (sem falar na sombra de Diderot que surge o tempo todo em nossa imaginação de leitores). Lamb, suprimido pelo autor, seria o caso de um afterthought: faria ele realmente parte dessa família? Ora, mais uma indicação de Machado quanto a uma tipologia de romance a ser perseguida... Quanto a Stendhal, que comparece de maneira diferenciada no primeiro prólogo citado, vem-nos à cabeça uma série de possibilidades para justificar a sua presença: autor de romances que poderiam preencher a lacuna do anti-Bildungsroman, leitor crítico da produção romanesca romântica, criador de uma forma nova para o romance do século XIX. Lembremos que seu nome abre o Prólogo “Ao leitor” em circunstância que afetava exatamente a exiguidade de leitores para seu ensaio Do amor – e não para um de seus romances... Nova jogada machadiana que aponta para o aspecto formal do texto literário? Machado de Assis parece nos remeter, em seus dois prólogos, a algo mais específico, a algo próprio – e ele o diz claramente quando diferencia seu livro de seus modelos: “É taça que pode ter lavores de igual escola, mas leva outro vinho.” Interessa-nos, em nossa apresentação, ler essa relação sincrônica de semelhança e diferença, modelos e desvios, tradição e ruptura, tendo como pano de fundo as considerações sobre o romance de Friedrich Schlegel, que o pensou como gênero aberto e inclusivo. Os desenvolvimentos da teoria romântica do romance, assimilados, modificados e praticados pelo próprio Machado de Assis em seu Memórias póstumas de Brás Cubas serão também investigados com a leitura crítica de seus dois prólogos. Atente-se, portanto, e especialmente, para a estratégia machadiana de colocar seu possível romance, Memórias póstumas, em sincronia com obras de gênero literário “interessante”, no viés romântico do termo; a mesma estratégia é usada por Friedrich Schlegel em seu conhecido ensaio-epistolar, “A carta sobre o romance” (1800).