Esta comunicação tem por objetivo fazer uma leitura da primeira parte do poema “Finismundo” de Haroldo de Campos. O nosso norte é o conceito de plagiotropia, também desenvolvido pelo poeta paulista, num curso ministrado na Universidade de Yale, em 1978. A noção de plagiotropia torna-se extremamente pertinente à compreensão do poema em questão, uma vez que a tessitura da linguagem estética vai se fazendo na medida em que provoca o diálogo com outros textos. A execução do método acaba por “ordenar” o conhecimento literário, construindo uma nova leitura da tradição, transformando o processo numa “forma elevada de resgate cultural” (BARBOSA, 1979, p. 20). A plagiotropia repropõe a noção de diálogo, no momento em que problematiza a tradição: voltar a esta não numa perspectiva de obediência a um continuum literário, mas repensá-la, remastigá-la por meio do impacto com novas relações. Em “Finismundo”, Haroldo relê a tradição numa volta ao mito de Ulisses, contado na Odisseia, e ao fim trágico do herói, narrado no canto XXVI, do Inferno, na Divina Comédia. Envolvido pelas línguas do fogo, na oitava vala, a dos maus conselheiros, Odisseu amarga sua última peripécia: a húbris in aeternum agita as velas do navio. Assim, o herói, por almejar o além-mundo, rompendo fronteiras impedidas aos viventes, aporta na montanha do Purgatório, sendo tragado ao fundo do mar. Haroldo de Campos, valendo-se da Odisseia e da Divina Comédia, escreve seu poema “Finismundo”, recontando o mito numa dialética com a linguagem da modernidade. Para tal, elege nomes como Odorico Mendes e Mallarmé, ratificando a importância que estes têm para sua obra. O termo “transcriação”, por exemplo, sinônimo de tradução criativa na ótica do paulista, talvez tenha sido colhido numa aproximação efetuada por Dante, quando cotejou transmutazione à ideia de tradução, translazione. O fazer poético de Dante inspira, ainda, alguns aproveitamentos formais ao longo do percurso literário de Haroldo, entre estes podemos citar a “terza rima” e as “rimas pétreas”. Por outro lado, o traço malarmaico figura, em “Finismundo”, na organização dos versos, nas palavras pulverizadas e, por isto, mais preenchidas de significação, assim como nos brancos, silêncios prenhes de significado. Manuel Odorico Mendes, por seu turno, é homenageado através de seu método de tradução, um procedimento carregado de neologismos, impulsionador do futuro conceito de tradução como “transcriação”. A marca da coragem de inovar a língua portuguesa, por meio da tradução, utilizando de palavras e expressões não recorrentes ao cotidiano linguístico, fez de Odorico uma referência para Haroldo: o tradutor maranhense é constantemente lembrado na crítica, poesia e, sobretudo, no modus operandi das traduções haroldianas. “Finismundo”, assim, abre-se em “martexto” de possibilidades, instigando sempre o leitor a repropor a viagem, repensar a passagem, exigindo o mergulho abissal na busca do ouvido sobre-humano, apurado, capaz de captar o “ultrassom” ininteligível “doceamargo” das sereias.