Este trabalho objetiva refletir sobre a performance da câmera enquanto mobilizadora afetiva das imagens do filme Amour (2012), com direção de Michael Haneke. A utilização estética da câmera, aliada a outras técnicas cinematográficas de iluminação e edição, entre outras, é capaz de materializar, adensar e potencializar alguns dos recursos da ordem da afetividade provocados em virtude do entrelaçamento inevitável entre subjetividade e linguagens humanas, em nosso corpus, a linguagem fílmica. A começar pela projeção afetiva do título do filme, e pela irradiação que este adquire ao longo da narrativa fílmica, graças, por exemplo, ao dimensionamento interpessoal dos personagens (Georges e Anne, homem e mulher, idoso e idosa, esposo e esposa, pai e mãe, músico e música, cuidador e cuidada, impaciente e paciente, paciente e impaciente, móvel e estática), torna-se salutar a reflexão aprofundada sobre a potencialidade de apreensão do funcionamento da afetividade no cinema. O filme, em suas instâncias produtivas, instaura campos ou fronteiras nocionais atrelados ao amor, por sua vez considerado por tradições tão heterogêneas como a religiosa e a artística, por exemplo, como o afeto maior, capaz de transcender e envolver todos os afetos, o sentimento sublime. Ao atentarmos de modo específico ao fazer afetivo do filme Amour, percebemos que a câmera compartilha as funções de um narrador fílmico, uma vez que condensa pontos de vistas diferenciados em relação aos personagens e aos espaços diegéticos. A performance da câmera, seus enquadramentos, planos, tomadas e tudo aquilo que for por ela influenciada, pode assumir características autorais e conduz o código fílmico para certos efeitos de sentido. Em Amour, a câmera quase sempre repousa em um ponto por muito tempo, e apenas se move quando os personagens escapam de seu enquadramento. A câmera comunica, ao seu modo, uma dimensão afetiva particular entre os personagens. A própria percepção do tempo psicológico dos personagens é, em certa medida, contaminada pela paciência da câmera. Além de fazer confluir, no plano dos significados, a dificuldade de mobilidade e o confinamento espacial, o diretor também é sensível quanto à relação temporal, à tomada de planos e sequências, como por exemplo, as saídas de Georges de um lugar da casa para outro sem o uso de cortes, que pudessem suprimir a demora no modo de uma pessoa mais velha caminhar. Em vez disso, a utilização da câmera investe na lentidão que é própria da velhice e respeita os movimentos lentos de Georges. A operacionalidade estética da câmera possibilita, ainda, a fixação de certos sentidos implicados na narrativa, como os efeitos de espera, demora, paciência, confinamento, solidão, ausência de alternativas.