Esta análise especulativa do Mar Paraguayo (1992) pretende refletir sobre a construção de uma narrativa ‘trans’, isto é, ‘para além’ de limites – linguísticos/territoriais/culturais/temporais –, a partir do corpo trans da marafona do balneário de Guaratuba, persona-narradora sem nome próprio, voz enunciadora da narrativa. O elemento ‘trans’, que nos últimos anos já não tem atuado mais tão somente como prefixo, tem servido a designar orientações em relação à realidade em sua ambivalência e tensão com a ficção, assim também tanto nos interessa para uma discussão do Mar Paraguayo que se quer contemporânea: concebemos ‘trans’ de maneira autônoma, e sem desconsiderar o potencial de sua função enquanto “modulador” dos substantivos todos (língua, nacionalidade, comunidade, memória, cultura, tempo, corpo, gênero) para pensarmos a obra. Entendemos, ainda, que há a construção de uma poética, enquanto projeto de narrativa em um tempo espiralar (MARTINS, 2022), não enquanto prescrição, que também por isso entendemo-la trans. Notamos, assim, que o elemento transnacional da narrativa, evidente pelo translinguismo (ANDRADE, 2020) e pelo corpo kuir (PRECIADO, 2019) que narra, dá-nos a necessidade de seguir caminhos errantes, muito mais desterritorializados (DELEUZE, GUATTARI, 2003), que neguem a relação por filiação e considerem a relação por expansão (GLISSANT, 2021). Por tudo, vale-nos também pensar a obra na perspectiva da realidadeficção (LUDMER, 2013); assim como trabalhamos com noções como ritmo, linguagem e imagem (PAZ, 2012), sendo uma opção que nos dá condições de pensar imagens fundamentais à narrativa, como o ñanduti, em sua relação ao ritmo e linguagem da narrativa.