Embora haja muito silêncio e muitos estereótipos no tratamento das relações raciais na literatura, as mulheres negras escravizadas foram personagens frequentes durante o século XIX. Contudo, a autoria feminina na narrativa brasileira, bem como na literatura argentina, é francamente minoritária. Este trabalho aborda aspectos específicos de duas exceções a esta regra: os romances Úrsula (1859) e La familia del Comendador (1854), escritos respectivamente pela brasileira Maria Firmina dos Reis (1822-1917) e pela argentina Juana Paula Manso de Noronha (1818-1875). A pesquisa procura identificar o papel da representatividade a partir da abordagem contrastiva dessas obras que parecem capturar a questão do sofrimento da mulher escravizada a partir de diferentes lugares de fala, o que possibilita uma discussão sobre a influência da proximidade e da distância na fatura literária. Os dois textos revelam a forte presença da escravidão na sociedade brasileira do século XIX. Contudo, sugerem na própria forma a relação de proximidade ou de distanciamento que as autoras estabelecem com o tema tratado. Estas narrativas nos permitem pensar gênero e raça nas disputas pela representação no romance de autoria feminina. Em suas tramas estão imbricadas as discussões sobre estrutura social e racismo no Atlântico negro, bem como os problemas relativos às identidades negadas, sujeitos infames, histórias invisibilizadas e balbucios dos “planetas sem boca”. São as figurações das mulheres negras nas obras de Maria Firmina dos Reis e Juana Paula Manso que nos convida aqui a nos debruçarmos sobre as questões de pele e gênero de ontem e hoje.