Dividido em duas partes, o romance O inventário das coisas ausentes (2014), de Carola Saavedra, é centrado na relação entre pais e filhos de duas personagens: Nina e o narrador. Em ambos os capítulos, tais relacionamentos encontram-se relatados em diários, mas apenas na história da personagem feminina é possível perceber que, ao longo das gerações, algo inominável e irrecuperável foi perdido, provocando, dessa maneira, um ruído na comunicação familiar e reverberando nos descendentes. A avó materna, ao se mudar de Castela para Santiago, inicia o extravio desse “algo", o qual está vinculado à perda das tradições espanholas mediante a vivência do trânsito cultural – que também é vivenciado por Nina, ao se mudar do Chile para o Brasil e, posteriormente, para Inglaterra. Assim, ao termos acesso às diversas fases da vida da personagem, desde à infância até a fase adulta, e aos vestígios das memórias dos ancestrais, podemos ver que a alteridade da personagem se constitui pelas experiências vividas e pela história da família. Com isso, entende-se a identidade como um processo histórico, não podendo, portanto, ser definida nem pelo momento nem pelo local do nascimento do indivíduo – ideia que vai ao encontro dos pressupostos de Stuart Hall (2011). A partir disso, este trabalho, por meio da análise da narrativa de Carola Saavedra, reflete acerca da influência da experiência de trânsito cultural e da ancestralidade na construção identitária de Nina, sob a luz de teóricos como Edward Said (2003), Maurice Blanchot (2005), Diana Klinger (2013) e Eurídice Figueiredo (2016).