No Brasil, a necessidade por buscar a garantia de recursos energéticos e, em especial no semiárido, o suprimento de água para a população enseja a construção de barragens, represas e usinas, seja para a produção hidrelétrica ou para o abastecimento hídrico de famílias, plantações e criações pecuárias. Essas obras, contudo, exigem o alagamento de amplas áreas, muitas vezes ocupadas por comunidades humanas, que precisam se deslocar para outros locais, deixando para trás seus antigos lares. Nesse contexto, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) surge para exigir o respeito à dignidade desses indivíduos ao ser retirados de suas casas. Visto isso, este trabalho busca investigar em que medida o papel desempenhado pelo MAB, sobretudo no semiárido brasileiro, busca a implementação de novas óticas sobre direitos humanos para essas pessoas, em uma visão que diverge da perspectiva liberal de garantias individuais e coletivas instituída no ordenamento jurídico brasileiro e fixado pelo positivismo jurídico, que recusa fontes de produção de direitos que não sejam estatais. Para isso, foi feita uma pesquisa exploratória a fim de melhor compreender a realidade dos habitantes do semiárido, em especial aqueles que têm suas vidas de alguma forma afetadas pela edificação de barragens. Outrossim, também foi feita uma pesquisa empírica em Direito (PED), de observação externa, junto ao MAB, para melhor compreender suas demandas, seus propósitos, suas atividades e sua atuação, tomando como exemplo seu papel na defesa dos sertanejos atingidos pela construção da Barragem de Oiticica, no Rio Grande do Norte. Utiliza-se como marco teórico a proposta do pluralismo jurídico comunitário-participativo formulada pelo jurista Antonio Carlos Wolkmer, que considera os movimentos sociais e corpos sociais intermediários como novos sujeitos coletivos de direito, capazes de produzir, em sua luta diária e em suas relações cotidianas, novas perspectivas para a implementação de direitos humanas, dignas de participação nas discussões instauradas em instituições de Direito formal. Percebeu-se, a partir disso, que a atuação do Movimento dos Atingidos por Barragens, a partir da realidade social viva daqueles que constroem suas ações, propõe uma visão menos fria sobre liberdades individuais, sobretudo no que diz respeito ao direito à propriedade. A necessidade de ser tratados com dignidade não advém pura e simplesmente do fato de terem suas propriedades inundadas pelas águas represadas, visto que o Estado, nesses casos, tem de cumprir sua obrigação de fornecer novos lares a todos os atingidos. A luta do MAB exige dignidade, sobretudo, ao considerar um valor afetivo à antiga propriedade do sertanejo atingido por barragens, acrescentando concepções de direito à memória no frio direito liberal à propriedade. Conclui-se, assim, a inegável contribuição de movimentos sociais, como o MAB, para a ampliação das percepções formais já cristalizadas sobre a amplitude do escopo protetivo dos direitos humanos. Em sua vivência combativa cotidiana, os militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens chamam a atenção para aspectos de direitos como o à propriedade que são por vezes ignorados pelo poder público e pelos juristas tradicionais. Assumindo-se como sujeito coletivo – e não individual – de direitos, esse movimento traça caminhos na construção de uma nova forma de se encarar as diferentes juridicidades percebidas na realidade concreta de um país diverso como o Brasil.