ALBUQUERQUE, Manuel Coelho. Entre cidades, rios e memórias: territórios em disputa. Anais CONADIS... Campina Grande: Realize Editora, 2018. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/50666>. Acesso em: 24/11/2024 12:22
Os Tapeba têm o seu atual território situado junto ao Rio Ceará e entre as cidades de Fortaleza e Caucaia. Esta última tem a sua origem no Aldeamento jesuítico de Nossa Senhora dos Prazeres e depois Vila Real de Soure. Após a Lei nº 601, Lei de terras de 1850, as áreas dos antigos Aldeamentos foram paulatinamente sendo apropriadas por fazendeiros ou incorporadas ao patrimônio público. Em 1863 um relatório do presidente da Província do Ceará afirmava que os nativos encontravam-se “misturados na massa geral da população”, não configurando raça distinta. No Ceará da segunda metade do século XIX, os índios foram considerados extintos. No ano de 1959 alguns membros do Instituto de Antropologia da Universidade do Ceará identificaram os Tapeba morando em torno da linha férrea no atual bairro Capuan em Caucaia. Foram considerados demasiadamente “misturados” com a população envolvente, e esquecidos. Em meados da década de 1980, quando em aliança com a Igreja Católica passaram a reivindicar direitos étnicos e territoriais, os Tapeba foram bastante contestados por proprietários de terras e forças políticas locais e nacionais, acusados de não serem índios precisamente por viverem em contexto urbano. Neste estudo, problematizo a presença das cidades junto aos Tapeba, relacionando-a a um longo processo de negação deste povo. Como a cidade afeta o ser Tapeba e como os índios se afirmam etnicamente nela, com ela ou apesar dela. Fontes orais, escritas e audiovisuais são requeridas na construção do texto. Expulsos pelas cercas que foram sendo construídas nas áreas rurais em que viviam, algumas comunidades Tapeba passaram a vivenciar um processo de intensa mistura e urbanização. A construção de conjuntos habitacionais em suas áreas foi uma estratégia utilizada a partir de meados da década de 1980 pelos que se diziam proprietários dessas terras, uma forma de subtrair as áreas indígenas passíveis de demarcação. Políticos locais distribuíram com frequência loteamentos em troca de votos, nas terras dos índios. Os Tapeba denunciaram inúmeras vezes a invasão de indústrias e empreendimentos empresariais em suas terras. Nas últimas décadas, com o avanço da cidade sobre suas terras, os índios têm reforçado os aspectos reconhecidamente tradicionais de suas culturas. As memórias identificam antigos locais de moradias e modos de vida dos antepassados, lembranças de um tempo em que os Tapeba viviam em relativa liberdade com suas plantações, pescas, respeito e comunhão. Na contraposição ao urbano, as retomadas como recriação da terra perdida, áreas de plantio comum; a luta pela preservação do rio e mangue nas áreas indígenas; a reabilitação de danças tradicionais; a reverência à carnaúba, “árvore da vida”. Mesmo os Tapeba que são moradores em áreas urbanas, quando se referem a si enquanto coletividade, preferem se associar ao ambiente natural, e não ao universo urbanizado. A cidade é silenciada porque é invasiva, e é ameaça às pretensões da conquista territorial. Mas as comunidades urbanas vivem experiências mistas: o trabalho em atividades tradicionais convive com o trabalho nas indústrias, por exemplo. Os Tapeba, também, apropriam-se do espaço urbano e dos instrumentos que este oferece para facilitar o diálogo com os não índios e impulsionar suas reivindicações. É neste espaço fronteiriço e neste ambiente de tensão que os Tapeba se movimentam e se afirmam.