Em posfácio aos livros de contos Veredão e Mucunã, de Moura Lima, Assis Brasil afirmava ser este autor mestre no engenho de “retratar um mundo interiorano e se realizar como obra de arte” (BRASIL, 2000, p. 107). Nesta afirmação ecoam algumas das problematizações que acompanham as produções classificadas regionalistas, tais como a frequente consideração de que as obras que retratam um universo interiorano são obras menores, que comumente apresentam falhas estéticas ao reproduzirem a fala dos caboclos e sertanejos, suas crendices e costumes, desaguando no pitoresco e, assim, como diz Lígia Chiappini, gerando na crítica um certo mal-estar em tomar como objeto de estudo um texto que não poderia carregar o selo de obra de arte bem sucedida. Neste trabalho – o qual se liga a um projeto de pesquisa desenvolvido em torno de alguns autores tocantinenses, que constantemente buscam e retratam os espaços físicos e culturais do Estado recém criado –, pretende-se tecer reflexões, a partir da obra de Moura Lima, sobre a própria noção de regionalismo como tendência menor, expressão de costumes e culturas menores, bem como a noção de sertão como espaço físico essencialmente rural. O sertão pode ser um rio, tal como no conto Um balseiro do Rio do Sono, presente no livro Mucunã, em que uma embarcação transformada em casa, transportava uma família em busca de outra margem, na fuga da miséria carregando nas águas suas memórias e costumes, vivos nas muitas histórias contadas durante a viagem. O sertão é, talvez, menos um espaço físico do que um espaço político e cultural, em que as fronteiras abrigam não as diferenças naturais, a terra, mas as diferenças entre os que estão à margem do eixo central de circulação cultural e os que, desse eixo (que é também político e econômico), consideram estrangeiro e pitoresco o que não lhes parece familiar ou semelhante. E no caso dos autores que escrevem sobre o espaço tocantinense, antigo sertão goiano, tais questões ganham relevo, uma vez que a expressão regional em arte, a representação dos traços de um povo e uma região que antes não tinham devidamente acesso às políticas públicas, corresponde a um gesto de afirmação, ainda que simbólica, de sua autonomia e identidade política e cultural, e, ao mesmo tempo, um gesto de desejo de inserção no rol do que é considerado universal. Por meio de narrativas como a de Moura Lima, considerado autor do primeiro romance tocantinense – Serra dos Pilões, Jagunços e Tropeiros –, as vozes do sertão se fazem ouvir, requerendo um lugar nos debates acadêmicos e nas histórias literárias, reproblematizando a dialética entre o local e o universal, o centro e as margens, e reconduzindo-nos à reflexão e revisão de termos e considerações críticas, sendo nesta trilha de reflexões que este trabalho se insere.