Muitas são as releituras de Medeia, tragédia escrita pelo ateniense Eurípides no século V a.C. Tantas versões acentuam ou atenuam o caráter hediondo do crime de Medeia, o assassinato dos próprios filhos. Eurípides, na obra original, atenua, inicialmente o caráter terrível de Medeia e a faz somente lamentar-se e queixar-se aos novos deuses, os deuses da polis. A tragédia grega tinha por meta a catarse, a reação da plateia de purgar seus males identificando-se com o herói trágico e sentindo o terror. Tratava-se de recalcar o lado instintivo e violento do ser humano, que já havia sido representado por Ésquilo, também tragediógrafo ateniense, na sua trilogia Oréstia. Ésquilo expõe para sua plateia a transformação das Erínias, entidades antigas, sanguinárias e vingativas, nas pacificadas Eumênides. No século XVIII o filósofo iluminista G.E. Lessing, ao analisar o grupo escultórico Laocoonte, originário do século I a.C., tece considerações acerca do que expressaria a boca entreaberta do sacerdote ali representado, concluindo que não poderia ser um grito terrível, pois isso comprometeria o belo presente na obra. Também no século XVIII o filósofo e historiador Edmund Burke descreve o sentimento do sublime, a mais forte emoção que o homem pode experimentar, e identifica sua origem no sofrimento e no terror. No século XX, o autor cinematográfico italiano Pier Paolo Pasolini, influenciado pela obra de Ésquilo e pela psicanálise, realiza seu filme Medeia, identificando o caráter terrível da personagem com a sobrevivência no ser humano de elementos do mundo antigo, dificilmente superados. Dessa forma, Pasolini reinventa a personagem Medeia, exagerando propositalmente seu caráter mítico, mágico, terrível e vingativo, herdado das forças da natureza, oposto à civilização. Pasolini entende que o simbolismo da transformação das Erínias em Eumênides representa o fim da barbárie, mas que esta nunca estará totalmente superada nos seres humanos, resultando numa existência trágica, ainda hoje, da humanidade.