Publicadas nas década de 50, as crônicas de “A vida como ela é...” são consideradas por Nelson Rodrigues um dos capítulos mais importantes de sua trajetória como escritor. Todos os dias, no jornal Última Hora, Nelson revelava um episódio extraordinário do subúrbio carioca e, assim, cativava suas leitoras e seus leitores. Quase em uma observação antropológica, o cronista, ao descrever sua percepção do cotidiano carioca, constrói textos - por que não dizer documentos? - narrativos que colaboram para perceber as constantes transformações de modernidade ocorridas no Rio de Janeiro, na metade do século XX. As crônicas de “A vida como ela é...” apresentam, apesar de serem supostamente fictícias, uma continuidade das narrativas jornalísticas de Nelson Rodrigues quando, ainda adolescente, nas décadas de 20 e 30, escrevia reportagens policiais para o “A Manhã”. Tema e espaços suburbanos, histórias extraordinárias, lacunas informacionais são alguns pontos de convergências percebidos entre as duas fases do escritor, o que talvez hoje poderia ser julgado de sensacionalismo. No entanto, nossa hipótese é de que Nelson Rodrigues – um eterno andarilho das ruas cariocas, apesar de um conservador politicamente –, ao optar pela crônica narrativa, simboliza uma resistência ao campo jornalístico. Sua forma de escrita, repleta de adjetivo e pontos de exclamações, vai de encontro à proposta comercial brasileira de objetividade jornalística, estabelecida no período pós-guerra, com influência principalmente de modelo jornalístico estadunidense. Nelson, ao contrário, não prioriza a informação e conquista o público pelo mistério. As personagens de Nelson Rodrigues demonstram também uma espécie de resistência às mudanças que ocorrem nos espaços urbanos. Os olhos de Nelson Rodrigues captam, com sensibilidade, todo este momento. Suas histórias, como ele mesmo declarou, vinham, principalmente, de suas observações, andanças e das conversas alheias escutadas por onde passava. Nelson é um repórter-observador, repórter-cronista, mas sem o compromisso do rigor de “informar a realidade”. Justamente, por isso, o universo rodriguiano contribui para a compreensão do período narrado. Com base em leituras principalmente de Walter Benjamin e Antonio Candido, esta comunicação pretende mostrar a contribuição das crônicas de “A vida como ela é...” como documento histórico, justamente por abandonar alguns rigores do jornalismo e abraçar as liberdades da narração.