A crônica é um gênero que se mantém no limiar dos campos da literatura e da imprensa. De natureza indefinível, suas origens são complexas, distantes e diversas. No entanto, foi e é um gênero muito popular, especialmente na virada do século XIX para o XX. Quase todos os grandes autores brasileiros da época trabalharam como colunistas na imprensa diária. Alguns no início, outros no fim de sua carreira, escritores de ficção, como é o caso, por exemplo, de Machado de Assis, um nome de referência para o grande público. Como a conhecemos hoje, percebemos que herdou certas características dos folhetins e da divulgação dos fatos diversos, parecidos com o próprio desenvolvimento da imprensa na cidade grande. Com efeito, ela é o gênero literário da cidade por excelência e – assim como os gêneros fragmentários em geral, como o poema em prosa de Charles Baudelaire, ou os fragmentos do Livro do Dessassosego de Bernardo Soares (Fernando Pessoa) – é ativada por uma prática reflexiva do ato de flanar (flânerie): é a materialização de um passeio urbano associada não só à figura do jornalista, mas também à do detetive. A crônica parece ter particularmente interessado aos "poetas-jornalistas", presumivelmente pela importância atribuída, na época, a uma grife ou estilo absolutamente reconhecível, mas também porque o gênero é livre o bastante para permitir a experimentação ou para recobrir as formas tradicionais mais desenvolvidas, como o conto. Ou seja, a coincidência desse espaço de publicação proporcionado pela imprensa, somado a uma vontade de superar as velhas formas e deixar uma marca própria, promoveu o aparecimento e a consolidação de uma nova expressão estética. Tendo como modelo a Belle Époque parisiense, também a cidade do Rio de Janeiro, sofria a transição para uma ordem capitalista urbana. Nesse contexto, João do Rio, escritor e repórter carioca, vagou pela cidade, observou parcelas da sociedade que raramente figuravam nas páginas de livros e jornais e dedicou sua atenção às várias formas de pobreza e exploração presentes na cidade grande. Partindo do paradigma estético que é o livro de Charles Baudelaire (1821-1867), Le spleen de Paris (1868), que tem as ruas de Paris do século XIX, marcadas por mudanças ideológicas e materiais, como seu cenário, nosso artigo procura então identificar convergências e divergências estéticas, ou ainda uma idéia de “tradução estética”, que aparecem na obra de João do Rio (1881-1921), ao narrar através de suas crônicas a “alma encantadora das ruas” do Rio de Janeiro, e sendo considerado o mais baudelariano dos cronistas brasileiros. Nesse sentido, nosso objetivo também é demonstrar, através da análise dessas crônicas e desses poemas em prosa, brasileiras e franceses, a complexa relação entre a construção de uma cultura nacional em suas várias dimensões, principalmente em relação à idéia de tensão entre cosmopolitismo e regionalismo, recorrente na virada do século XIX para o XX e associada a modelos europeus de modernidade e progresso.