Esse artigo pretende analisar a adaptação de Titus Andronicus de William Shakespeare feita por Julie Taymor em 1999, em contraponto a adaptação de 1985 de Jane Howell da mesma peça. Foram comparadas as primeiras cenas dos dois filmes, devido à sua importância em termos de enredo, e também porque a abertura do filme compõe o tom da história. Além disso, foram estabelecidas algumas diferenças e semelhanças entre as performances e foram examinadas algumas interpolações e transposições nas duas adaptações. Foram consideradas as intertextualidades presentes no filme de Taymor (através dos cenários, das músicas, dos figurinos e outros elementos que ajudam a compor a materialidade das cenas). Finalmente, foram salientadas as diferentes abordagens da violência presente na peça shakespeariana e nas duas adaptações fílmicas. Esta reflexão baseou-se teoricamente nas contribuições de Jay Halio (2000) e de textos de Edward Rocklin (1999), Richard Burt (2001), Pascale Aebischer (2002), Lucian Ghita (2004), Peter Donaldson (2005), entre outros. Nossa análise permitiu uma melhor compreensão do principal questionamento de Julie Taymor com relação a Titus Andronicus: “Nós somos diferentes [dos personagens, daquela sociedade] com toda essa modernização?”. Na interpretação da diretora as situações que ocorrem nessa peça -violência, loucura, rituais, religião, poder, luxúria, niilismo, choque entre culturas, guerras, brigas entre pais e filhos, vingança, justiça- são questões contemporâneas da nossa sociedade. Constatamos, nesse sentido, que o uso de referências anacrônicas em seu filme chama atenção para o fato que Shakespeare ainda tem algo a nos dizer, sobre o nosso mundo, sobre os seres humanos e seu comportamento. Tanto Taylor como Howell problematizam questões existenciais, sobre o que significa estar vivo. As performances concretizam-se como interpretações diferentes, representações que refletem e constituem pontos de vista distintos, a partir de um mesmo ponto de partida, a peça de Shakespeare. Concluímos que cada diretora estabeleceu sua concepção da peça Titus Andronicus em interação com sua experiência de vida, seus trabalhos anteriores, suas crenças, sua visão de mundo, sua percepção do público-alvo, sua relação com Shakespeare. Processo complexo que também incorpora na materialização cênica, as múltiplas leituras de Titus, presentes implícita ou explicitamente, no trabalho coletivo de produtores, cenotécnicos, coreógrafos, maquiadores, figurinistas, sonoplastas, contrarregras, figurantes e atores.