CALLIGARIS, Juliana Pablos. . Anais ABRALIC Internacional... Campina Grande: Realize Editora, 2013. Disponível em: <https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/4383>. Acesso em: 24/11/2024 08:00
Esta comunicação visa observar a adoção de recursos multidiáticos na construção da dramaturgia do espetáculo da Cia Teatral Mungunzá, “Porque a Criança Cozinha na Polenta”, dirigido por Nelson Baskerville. Trata-se de uma adaptação para a linguagem teatral do diário autobiográfico homônimo de Aglaja Veterayni, artista de circo romena que fugiu com a família durante a ditadura de Ceucesco. Publicado no Brasil pela Editora DBA em 2004, este comovente diário ganhou várias traduções literárias e teatrais pelo mundo. Filha do palhaço e da mulher que se pendura pelos cabelos, Aglaja é distraída pela irmã mais velha noite após noite, ouvindo a lenda romena na qual se cozinha a criança na polenta se ela for malcriada. Nossa primeira visão da cena é a de um palco desolado, escancarado. Vamos divisando a aparelhagem. Uma mesa com coca-cola, outra com fogareiro e panela, um teclado, um microfone, telefones pendurados, uma grande boneca-pêndulo assustadoramente pairando sobre sua própria sombra. A cena surge diante de nossa compreensão, num desafio interpretativo. Um circo bizarro se instaura semiológica e midialogicamente variado. Atores espalham-se pelo espaço: jogadores tornando-se precavidos para não serem engolidos pelo mapa que se propuseram a decifrar. O tempo essencial do épico é o pretérito. A lógica da criança, distanciamento crítico, pontuam a epopéia. Na boca dos atores ou no letreiro-telão-janela, esta lógica (nos planos psicológico, mítico e real) jorra profusamente sem mediação de pudores; vem imediata, desesperada, procurando prazer na dor há muito tempo. Aglaja precisa transformar o mais rápido possível incesto, estupro e desespero em prazer. Essa necessidade vem sem filtro, sem referência estável de mãe e de pai: surge desgraçadamente, libidinosa. Referência primal, arquetípica. Mesmo que a narração da saga permaneça no tempo presente, a síntese apresentada pela encenação corresponde a algo que se passou. O épico no exercício do dramático, além de lhe conferir qualidade extracotidiana, pontencializa-o. As pessoas da família se deformam conforme o pensamento e as sensações da menina se deformam. Aglaya perde-se na força da imagem dos filmes (projetados em cena) que seu pai fez para transformar sua sagrada família em estrelas de cinema, para que ficassem mais perto do céu. A partir dos elementos multissemióticos como os descritos aqui, pretendemos nesta comunicação compreender a maneira pela qual o texto-base foi o mapa para a adaptação teatral e para a eleição de recursos multimidáticos, dentre os quais destacamos recursos multimodais como i) projeção de cenas teatrais filmadas sobre situações da peça que não são encenadas ao vivo, ii) letreiro projetado no telão, exibindo intertextualmente pensamentos interiores de Aglaja; iii) multimodais pela própria natureza do fazer teatral, na qual necessariamente o ator acessa recursos de semioses coocorrentes (fala, ação, expressão corporal, direcionamento de olhar). Nossa metodologia será escrutinar profundamente a encenação. Como a natureza do teatro exije que o espetáculo seja ao vivo, para fins de demonstração de nossos argumentos faremos uso da projeção em data-show de trechos da peça, a fim de explicitar o uso de tecnologia multimidia e de forma a investigar semiologicamente a essência do fazer teatral.