O surrealismo veio à tona no período mais dramático da crise da cultura, numa Europa arrasada pelo horror da Primeira Guerra Mundial, que abalou as estruturas econômicas e sociais do continente e, por conseguinte, os próprios parâmetros da arte burguesa (LÖWY, 2002). Em meio a seus destroços fumegantes, cabia a reflexão sobre a verdadeira função – e a verdadeira importância – da arte no novo mundo que nascera a partir de 1914. Não demorou para que essa nova forma de pensar as artes e o homem, firmemente calcada no onirismo e no fluxo do inconsciente, do automatismo e do acaso, viesse a assumir uma postura política militante, ainda que isso causasse graves desentendimentos em seu seio. Caracterizado desde o nascimento como um movimento internacional, o surrealismo encontrou terreno fértil na América Latina, não apenas em sua riqueza imagética, na encruzilhada entre a cultura autóctone e a firme permanência do barroco espanhol, mas também devido ao fervilhante caldeirão político-social que aí se encontra. Esta comunicação propõe discutir a validade e eventual importância da estética surrealista como veículo e ferramenta de crítica política e social, no âmbito da América de língua espanhola e seu contexto na pós-modernidade/pós-colonialidade (MIGNOLO, 2003), partindo do estudo do romance "El señor presidente", do escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias, no qual utiliza técnicas surrealistas e o imaginário indígena para criticar o governo ditatorial de Manuel Estrada Cabrera e seus efeitos na Guatemala. Assim, pretende-se analisar e discutir a forma com que Asturias maneja esses artifícios para alcançar seu objetivo e de que maneira ele colaborou para consolidá-los como veículo de reflexão política na América Latina.