A partir Todorov, o interesse pela literatura fantástica aumentou significativamente. Uma das grandes problematizações versa sobre os que buscam desenvolver sua teoria e os que procuram formular novas definições de literatura fantástica.Em meio às teorias e categorizações, nos deparamos com os a escritora argentina Silvina Ocampo e seus contos fantásticos. Observou-se que algumas narrativas enquadram-se nos moldes da teoria estruturalista todoroviana, outras, entretanto, fogem à regra principal: a decisão por parte do leitor entre uma explicação lógica (estranho) ou admitir que novas forças regem a natureza e que não há uma explicação racional para os acontecimentos (maravilhoso).O conto Autobiogafía de Irene, que nos servirá de corpus, proporciona ao leitor muito mais que o momento da hesitação (fantástico). Ele rompe com as categorizações todorovianas a partir do momento em que alguns elementos canônicos que “obrigatoriamente” compõem as obras fantásticas (elipse, metamorfoses, mortos entre os vivos, seres sobrenaturais) aparecem de maneira totalmente inusitada. Irene é uma garota que adivinha seu próprio futuro, inclusive o dia de sua própria morte, mas que se esquece do passado. Um dos pontos instigantes é que a autobiografia é escrita por uma mulher desconhecida que Irene encontra no final da obra. Mulher esta que afirma saber que estava predestinada a escrever a história da protagonista. A questão crucial, e a dúvida que persiste, é: como a autobiografia foi escrita se Irene não poderia tê-la narrado, já que não se lembrava do passado, e quem a escreveu era uma desconhecida? O leitor é induzido a voltar a reler o texto, já que este termina com a mesma passagem que o inicia. Autobiografía de Irene encerra uma obra circular, na que as perguntas/respostas estão dentro, e não fora, do texto. A discussão se amplia no momento em que o leitor não é levado a decidir-se ou classificar a obra. O cânone todoroviano não dá conta de uma obra como esta. Ou seja, a literatura é um campo que se modifica ao longo do tempo e que agrega elementos em sua composição. Elementos esses que rompem, muitas vezes, com os cânones da teoria literária.Para compor nosso referencial teórico realizamos leituras, principalmente, de Jackson (1981), Monteiro (2010), (Mackintosh (2003), Aldarondo (2004) e Todorov, 1960).Um dos pontos fundamentais não é rotular ou chegar a conclusões mirabolantes, prontas e encerradas. Pretendemos encontrar na obra uma fonte inexaurível de novas interpretações, apontar elementos que provoquem, que incomodem, que instiguem o leitor a desvendar as nuances textuais que o fizeram sair de sua zona de conforto e da mesmice do senso comum. Pretende-se, mais ainda, que as informações aqui contidas não sejam suficientes para responder a todas as perguntas relacionadas ao tema, para, propositalmente, aguçar a inquietação e a ânsia por novas respostas.Ler Silvina Ocampo é colocar-se ao mesmo tempo no limiar da realidade e do impossível. É entrar definitivamente no “jogo textual” de Wolfgang Iser. É deixar de realizar uma análise puramente sistemática, e encará-lo como um objeto que proporciona um leque interpretativo.