Malgrado repudiada pela filosofia e combatida pelos estudos sociológicos, a inveja concentra um papel importante na constituição de nossa personalidade, ou melhor, apresenta-se como elemento fulcral no desenvolvimento psíquico humano. Por muito tempo, nas inúmeras calendas da história, foram-lhe atribuídas máscaras grotescas e horrendas, capazes de extrair, deturpar e, às vezes, destruir a própria subjetividade de seus usuários ou atores. É óbvio que, em termos antropológicos, esse pathos se reveste de conceitos culturalmente negativos, devido à forte influência dos directivos religiosos, eminentemente cristãos, os quais lhe atribuíram um lugar entre os sete pecados capitais. Nessa ótica, o invejoso se reduz a um ser mesquinho, provido de orgulho e apto a obstruir o êxito de suas vítimas, retirando delas o objeto que tanto cobiça. A ingratidão irrompe-se, aí, como um amistoso conviva, um cúmplice prestes e pronto a impulsioná-lo. A literatura popular, embevecida pela tradicionalidade, desloca tais sentimentos para o terreno maniqueísta da malevolência, fundindo-os de tal modo que o personagem, decisivamente, não detém forças para depurá-los. Como consequência, temos, amiúde, a sansão punitiva ao mal e a recompensa ao bem. Essa imagem, quiçá tenha contribuído para uma hermenêutica do texto popular marcada pelo desprezo cego ao evento negativo, à semântica do mal. Eleva-se, por exemplo, a gata borralheira e pune-se, unilateralmente, a madrasta, sem antes analisar, em profundidade, os motivos (reais e aparentes, conscientes e inconscientes) que levaram a matriarca a perpetrar, contra a enteada, os já conhecidos “crimes”. Reside, nessas reflexões, o objetivo de nosso estudo: analisar, com base numa interface entre a semiótica greimasiana e os estudos psicanalíticos kleinianos, a configuração da inveja no conto popular A morte da sapa Bermuda. A narrativa nos permite debruçar sobre o comportamento de um garoto, forjado na ausência e indiferença do objeto materno, cujos atos, deveras cruéis, extirpam a vida de um indefeso animal, numa ambivalência entre a morte e a gratidão, a culpa e a inveja. O feminino, traço característico da criatura, é projetado como algo doloroso para o protagonista. Daí a tragédia, contornada pela agressividade e violência. Serviram de respaldo às reflexões, aqui bosquejadas, os trabalhos de Rodrigues (2012), sobre o estatuto das paixões, e, em especial, a obra Inveja e Gratidão (1991), publicada em 1957 por Melanie Klein. A análise revelou-nos uma personalidade infantil tensivamente fragmentada pela imagem de uma mãe ausente. Tal situação arremessa o protagonista em estados de angústia e ressentimento, decorrentes de uma relação “desatenta” e distante, que o impulsionam a destruir, como mecanismo de defesa, o ser que, inconscientemente, deseja e lhe é (in)grato.