Este trabalho consiste em uma análise crítico-reflexiva dos romances A céu aberto (1996) e Lorde (2004), ambos, do escritor gaúcho João Gilberto Noll. Mais especificamente, tendo por referência as considerações de Theodor W. Adorno e de Max Horkheimer, e algumas considerações de Sigmund Freud, acerca da relação entre sujeito e sociedade, esta pesquisa pretende sondar a relação dialética entre razão e mímesis no processo de constituição das personagens dos dois romances supracitados. De maneira geral, a obra de Noll é caracterizada por traços recorrentes bastante singulares, sobretudo no que diz respeito ao que alguns críticos denominam de processos de experimentação com a linguagem. Contudo, dentre sua experimentação, o fator menos ortodoxo, certamente diz respeito à caracterização de seus personagens-protagonistas. Estes não apresentam traços físicos ou psicológicos convencionais. Pelo contrário, tais traços são, na maioria dos casos, distorcidos e fragmentados, tornando-os confusos e, até, mutáveis ao longo das narrativas. É, justamente, sobre isso que este artigo se dedica, buscando analisar, aí, em que medida esse processo de subjetivação (ou, melhor dizendo, de dessubjetivação) de tais personagens não podem ser compreendidos à luz dos revezes da razão instrumental nos contextos sócio-históricos em que se passam os romances (a guerra em A Céu Aberto, o capitalismo multinacional e multicultural em Lorde). A seleção desses dois romances se justifica por acreditarmos que, neles, a abolição de fronteiras entre diferentes sujeitos é radicalizada a ponto de as personagens se metamorfosearem em outras. Aí, Noll estaria lidando, por exemplo, com aquilo que Adorno considera em Posição do narrador no romance contemporâneo: a alienação na sociedade moderna e contemporânea pode fornecer, ao romancista, elementos que, se devidamente explorados, redimensionam o papel e a função do romance na modernidade e na contemporaneidade, diferenciando-o da narrativa típica aos séculos XVIII e XIX. Na Dialética do Esclarecimento, Adorno (em parceria com Horkheimer), ainda defende a hipótese de que o processo moderno de dominação de si, do outro e da natureza (o processo de esclarecimento) acaba por promover formas mais complexas e sofisticadas de irracionalismo mimético, tais como a indústria cultural e a ascensão do fascismo e do totalitarismo. Ou seja, apesar de os conceitos de “razão” e “mímesis” serem aparentemente opostos, pode-se perceber que a razão tende a se transformar em mito, em outras palavras, e a grosso modo, eles (incluindo aqui Freud) defendem a hipótese de que, quanto mais “evoluída” e sofisticada se torna uma determinada cultura, mais regressão e/ou repressão sofrem seus sujeitos. Frente a isso, defende-se aqui que a ambiguidade da escrita de Noll, gerada sobretudo pela forma como os personagens-protagonistas são caracterizados, seria, então, uma tentativa de rompimento com estes mecanismos repressores, projetando novas configurações do sujeito e, com efeito, de vida social. Mas, dado que sua obra raramente acena a uma concepção utópica de sujeito e de sociedade (de fato, dá-se, em geral, o contrário: seus personagens não conseguem qualquer redenção), esta tentativa se daria tanto (ou mais) no nível da própria linguagem.