Sabe-se que há muito vem-se discutindo no meio acadêmico que a identidade já não é mais centrada, una e coerente como um dia foi considerada – sem que necessariamente o fosse. Lygia Fagundes Telles, em seu romance As meninas, capta esse processo de liquidez e de fragmentação da identidade e acaba por transpô-lo para suas três protagonistas. Stuart Hall, em A identidade cultural na pós-modernidade, e Zygmunt Bauman, em Identidade, retratam em suas respectivas teorias sociológicas essa complicada e interminável transmutação identitária. Centraliza-se esta análise na protagonista que parece ser a mais vitimizada do romance, a Ana Clara, dependente química e abusada sexualmente na adolescência. Pretende-se discorrer sobre a dinâmica da “identificação”, processo no qual a identidade se revela ainda mais maleável, por mostrar-se em explícita construção. Atentaremos para as identidades que a personagem revela, ou ainda para as não identidades, visto que a identidade sempre é construída dialeticamente a partir de uma negação do seu oposto, o qual precisa ser excluído para que essa identidade possa firmar-se – ainda que se firme precariamente. Essa negação/diferenciação nunca se dá definitivamente, criando zonas difusas em que há uma negociação nunca concluída, o que deixa os pares excludentes em uma proximidade cambiável (eu/outro; bom/mau; masculino/feminino; lúcido/louco; prático/idealizado). Busca-se, ainda, focalizar como se dá a formação identitária, seja mediante o aspecto subjetivo dos conceitos psicanalíticos freudianos e lacanianos, seja por meio do aspecto histórico dos conceitos discursivos foucaultianos, aspectos estes apresentados por Tomaz Tadeu da Silva, em Identidade e diferença. Reconhecendo o complexo movimento que há entre a realidade e a ficção, e observando como esta apreende aquela – o jogo da mimesis, como acrescenta Antoine Compagnon, em O demônio da teoria –, fazem-se considerações sobre a literatura e a sociologia, visando à difícil compreensão do objeto literário e da nossa sociedade.