O romance policial tem sido visto pela crítica literária ao longo do tempo com certa desconfiança. Alega-se falta de profundidade psicológica e uma estrutura repetitiva nos enredos. Entretanto, o presente trabalho pretende demonstrar que este tipo de enredo é uma fonte riquíssima na análise dos fenômenos jurídicos, tendo sido um gênero literário utilizado também por grandes nomes da literatura universal, como Dostoiévski. A análise parte de duas das principais obras de Agatha Christie, maior represente do gênero – tanto pelo volume de sua produção como pelo efeito mítico provocado por suas histórias no imaginário popular. Esses romances carregam uma série de elementos simbólicos, tanto nos crimes relatados e suas formas de resolução, como nos cenários em que estão ambientados, que remetem a verdadeiros julgamentos promovidos pela sociedade. São obras que atraem o público não apenas pela engenhosidade da trama ou pelos desfechos surpreendentes, mas porque funcionam como concretização de algo presente no inconsciente coletivo e nem sempre alcançado pelas instituições. Assassinato no Expresso do Oriente e E não sobrou nenhum abordam de formas diversas a mesma questão: a incapacidade do sistema judiciário em fazer atingir o ideal de justiça – assim considerado no imaginário popular – de crimes que ficam sem punição. Trata-se de questão onipresente em toda sociedade regida por leis e fonte de frequente tensão, uma vez que diversas e conflitantes são as propostas de alteração legislativa com o fim de reduzir a impunidade. As narrativas também são construídas de forma criativa e inovadora para a época em que foram escritas, através de estruturação narrativa que contraria o cânon da literatura de investigação.