Desde tempos longínquos, operam-se interdições ao desejo homossexual, fundamentadas em dogmas religiosos ou, como se pode observar, a partir do século XIX, proclamadas por instituições médicas que visam reduzi-la a uma conduta patológica ou desvio de caráter. O sujeito homossexual fora, assim, colocado às margens da sociedade e, em decorrência dessa herança, ainda carrega estigmas suscetíveis de deturpar-lhe a identidade. Muitas vezes, essas marcas são tão violentas que sufocam o desejo, dilaceram a subjetividade, silenciando o amor que, nas palavras do escritor Oscar Wilde, não ousa dizer seu nome. O trajeto constitui, amiúde, uma defesa frente à hostilidade mortífera do preconceito e da intolerância, tão prementes na atualidade. Eis o drama presente em Um Estranho em Mim, romance escrito por Marcos Lacerda e publicado em 1999. Na narrativa, Eduardo, bem-sucedido médico de meia idade, trava uma batalha contra sua própria natureza, procurando sempre esconder de todos – e de si mesmo – os avatares de sua sexualidade. Fracassa primeiro, num casamento convenientemente heterossexual e, depois, volta-se para o trabalho, num refúgio quase monástico. Contudo, ao conhecer o jovem Alexandre, o protagonista é, mais uma vez, confrontado, com o estranho que o habita. Nossa pesquisa, numa conexão entre os estudos (pós) freudianos e as teorizações sócio-históricas de GREEN (1999) e NAPHY (2004), pretende analisar, na obra em foco, os conflitos que marcam a travessia homoerótica do personagem principal, de modo a compreender os matizes de uma relação onde as diferenças, por vezes, tornam-se inaceitáveis e desacreditadas.