Adelaide Carraro destaca-se, na literatura brasileira, por produzir mais de uma dezena de livros e por ter parte de sua obra interditada pelos órgãos oficiais de censura, o que lhe rendeu o epíteto de escritora maldita ou pornográfica. A interdição de parte de sua obra deve-se ao fato de seus romances tratarem de temas que, na maioria das vezes, misturam política e sexo e, devido a isso, acabavam sendo considerados afrontadores da “moral e dos bons costumes”. Mesmo assim, durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, os livros da autora tinham um público cativo e, por isso, eram campeões de venda. Uma dessas obras interditadas foi O travesti, romance escrito na década de 1980, em que a escritora trazia à baila a discussão sobre as condições sociais em que estavam mergulhadas as pessoas cuja identidade de gênero se afastava do discurso oficial. Considerando essa premissa, o objetivo deste artigo é analisar o romance O travesti a partir de sua situação de produção a fim de avaliar as vozes sociais (Bakhtin, 2010) – tanto as que se alinham com o discurso hegemônico quanto as que têm uma natureza subversiva – que emergem do cotidiano das personagens, investigando, assim, como essas vozes sociais foram determinantes para imprimirem valores positivos e/ou negativos ao grupo social denominado de travestis. Para realizar essa análise, a pesquisa ancora-se teoricamente nas concepções do Círculo de Bakhtin (1988, 1997, 2003, 2008) sobre linguagem, tais como a concepção dialógica da linguagem e as reflexões atinentes à análise dialógica do discurso. Metodologicamente, a pesquisa situa-se na vertente qualitativa de base sócio-histórica. Por meio dessa análise, ao investigar como essas vozes dialogam entre si, observou-se o valor pejorativo atribuído à condição social vivenciada por travestis e se recuperou alguns posicionamentos acerca do contexto sócio-histórico-cultural de uma época.