O presente trabalho apresenta o desenvolvimento do Projeto de leitura interdisciplinar, intitulado “A cruel pedagogia do vírus: a necropolítica que transpassa os corpos, estudos sobre classe, raça, gênero, interseccionalidade e coronavírus no Brasil em 2020-2023”. Esse projeto, começou a ser realizado no ano de 2021, mais precisamente no mês de fevereiro, durante o isolamento social e as aulas ocorriam no modelo remoto, através da plataforma Google Meet, com acesso gratuito. As turmas contempladas foram os primeiros, segundos e terceiros anos do ensino médio, numa escola técnica integral da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte, o Centro de Educação Profissional – CEEP Professora Djanira Brasilino de Souza. Para melhor compreender o trabalho desenvolvido, apresenta-se o CEEP Djanira, como é mais conhecido, é uma escola nova, situada numa periferia, inaugurada em 2018 e o seu funcionamento iniciou em 2019, quando as quatro primeiras turmas do primeiro ano ingressaram. Cabe destacar que a expressão cenário pandêmico é utilizada no sentido de que, a pandemia que ocorre em escala planetária, ocasionada pelo coronavírus (SARS – COVID-19), é uma experiência singular na vida de todas as pessoas, visto que, acometeu em todo o planeta pessoas de diferentes países, culturas, raças e de diversas classes sociais, onde pela facilidade de comunicação dada as redes sociais, internet e economia globalizada, a circulação do vírus é tão feroz, quanto a circulação de pessoas e de informações (SANTOS, 2020). Assim, constitui-se o cenário pandêmico que trouxe consequências danosas, que determinou a obrigatoriedade do isolamento social, que impactou a economia, a política, a cultura, a mídia, as práticas e costumes, que revelou para as pessoas o lado mais sombrio da morte, do luto do descontrole que as pessoas não sabiam que possuíam quanto às suas vidas (DAVIS, 2020). As obras foram previamente selecionadas e buscam dialogar com esse cenário pandêmico, considerando a realidade social dos alunos e as suas perspectivas pessoas e profissionais que foram afetadas, a escolha pela leitura de pensadores decoloniais se mostra apropriada e de suma relevância para pensar quais são os corpos que mais padecem na pandemia? (QUIJANO, 2005). O que esse cenário pode ensinar através da cruel pedagogia do vírus? Essas são as primeiras de muitas interrogações que serão apresentadas, mas, desde já, adverte-se que não existem uma resposta ou até mesmo não estamos em busca de respostas, o principal intuito é o de provocar a reflexão, a disseminação de ideias, a formação de uma argumentação embasada em conceitos, é demonstrar ao aluno que ele também possui um lugar de fala e que é preciso mostrar e propagar a sua voz para a coletividade (HOOKS, 2017). O intuito do projeto é primeiro, inserir um debate sobre classe, raça, gênero e interseccionalidade para os alunos do ensino médio, através de livros de pensadores brasileiros, pretos, mulheres prioritariamente, decoloniais e que façam um diálogo interseccional, para proporcionar aos alunos fundamentos teóricos que lhes permitam refletir, debater e explicar determinados fenômenos sociais que estão sendo vivenciados e que marcam profundamente a vida deles neste cenário pandêmico (MBEMBE, 2018). Segundo, desenvolver a interdicisplinaridade dos conhecimentos, demonstrando através das leituras, como diferentes autores, dialogam sobre temas comuns e como esses conhecimentos podem ser utilizados ou revisados em outras disciplinas, especialmente, as disciplinas que foram as ciências humanas. Objetivo geral: Apresentar aos alunos obras de escritoras e escritores decoloniais, brasileiros e estrangeiros. Com o intuito de desenvolver habilidades argumentativas, promover o debate, potencializar o hábito da leitura e despertar o pensamento crítico e reflexivo sobre as transformações que estão ocorrendo na sociedade brasileira no cenário pandêmico. Objetivos específicos: 1) Apresentar qual o lugar que a literatura ocupa nas leituras e quais as razões e consequências desses lugares, a partir do pensamento decolonial. 2) Dialogar a partir das obras selecionadas com os seguintes temas transversais: narrativas indígenas, pensamento decolonial, representatividade, interseccionalidade, cultura, feminismos, classe e raça, representação política, ancestralidade, racismo, lugar de fala e pandemia mundial (Covid-19). 3) Descrever como a cruel pedagogia do vírus disciplina quais são os corpos que mais padecem no cenário pandêmico. 4) Explicar, como a partir de leituras decoloniais, ou seja, das obras selecionadas, existe a possibilidade de dialogar de forma interdisciplinar. 5) Ensinar como as narrativas presentes nas obras podem contribuir para a escrita da prova discursiva do Enem e para a interpretação de questões na área das ciências humanas e sociais. 6) Demonstrar aos alunos do curso técnico que os saberes são interdisciplinares e de como podem construir esses saberes para a sua formação profissional. 7) Incentivar o trabalho em grupo, com o intuito de potencializar a autonomia dos alunos e o desenvolvimento das suas capacidades de organização, sistematização, síntese e de apresentação em público. A metodologia do projeto é da seguinte forma, nas primeiras semanas de aulas, as turmas são apresentadas ao projeto, ele é lido e explicado, posteriormente, recomenda-se que os alunos formem grupos de no máximo cinco componentes, com os grupos organizados, as obras são sorteadas e os livros são disponibilizados em formato físico e virtual, neste último, em um drive que pode ser consultado por todos os alunos, ou seja, todas as obras, das diferentes turmas podem ser acessadas a qualquer tempo. Esse sorteio e organização ocorrem no primeiro bimestre letivo, os alunos são informados que algumas aulas vão ser voltadas para as reuniões em grupo e para a orientação. O projeto ocorre durante todo o ano letivo e no quarto bimestre os resultados são apresentados coletivamente para toda a escola, a avaliação é contínua, considera os debates em sala, o trabalho escrito e a produção dos materiais audiovisuais. O referido projeto está na sua terceira edição neste ano, a adesão dos alunos foi o principal fator que proporcionou a continuidade do projeto e possibilitou os resultados, a Coleção Feminismos Plurais, foi bem recepcionada pelos alunos dos primeiros anos e todas as obras são lidas; outros autores foram incluídos, atualmente, aproximadamente trinta e sete obras fazem parte do projeto, nas turmas dos primeiros, segundos e terceiros anos, dentre os autores: Achille Mbembe, Grada kilombra, Boaventura de Souza Santos, Chimamanda Ngozi, Carolina Maria de Jesus, Ailton Krenak, Conceição Evaristo, Itamar Vieira, Jarid Arraes, Lorena Portela, Djamila Ribeiro, Teresa Cárdenas, Stênio Gardel, Teresa Cárdenas, Jefferson Tenório, Carla Madeira e Eliana Alves Cruz. As principais produções dos alunos são: entrevistas, podcasts, cartazes, vídeos, que resultam, ao final de cada ano letivo, numa culminância, onde todos apresentam os livros estudados e como essas obras dialogam com a realidade dos alunos nesse cenário pandêmico e pós-pandêmico. Sobretudo, o processo de formação política dos alunos, através do embasamento teórico das obras, é o resultado esperado mais satisfatório, com a qualidade dos debates e a capacidade de relacionar dentro das temáticas abordadas nos livros, como o conhecimento é interseccional, onde, classe, raça e gênero são percebidos como temas que estão em diálogo permanente e não devem ser entendidos de forma dissociada numa análise sociológica (DAVIS, 2017).