As inúmeras violências coloniais esvaziaram e destituíram os modos de ser, estar, fazer, pensar e habitar dos povos tradicionais de Abya Yala, impondo-lhes a lógica racional eurocentrada pautada em um canibalismo onto-cosmológico. Baseada na dominação, repressão, aniquilação e exclusão enquanto estratégias e performances políticas, essa racionalidade europeia impregnou a visão unilateral da humanidade a partir do consumismo desenfreado, devastação ambiental e separação do sujeito com a natureza. Tais opressões não se esgotaram no tempo histórico da colonização. Ganham, cada vez mais, novos mecanismos dentro do antropoceno que empobrecem outras ciências de habitar o mundo que não estejam pautadas pelo mito do progresso e a racionalidade patológica. Essa lógica se caracteriza pelo dessecamento da natureza colocando-se em uma posição de superioridade posicional ao modo de vida e pensamento que organiza os seres lado a lado, pilar este da filosofia indígena. Logo, os povos originários se tornaram, e continuam sendo, a principal barreira do frenesi do capital que nos leva hoje a uma degradação da biosfera e da antroposfera. Na contramão dessa lógica racional dos canibalismos onto-cosmológicos dos brancos, propomos (des)pensar a pretensa ideia de processo de desenvolvimento (neo)colonial e (neo)imperial, a partir de uma crítica da razão ameríndia. Para tanto, recorremos ao intelectual indígena Jabuti, conhecido pelo nome civil de Ailton Krenak, assim como Kaká Werá, Rômulo Angélico, Edson Kayapó, Davi Kopenawa, Andrielle Mendes, Graça Graúna, Linda Tuhiwai Smith, Aline Rochedo Pachamama e Márcia Wayna Kambeba, que de modo enfático difundem, amplificam e fortificam a urgente necessidade de pensarmos novos horizontes de existências e humanidades numa conexão arcaicontemporânea de saberes. A urgência desse diálogo objetiva (re)pensarmos maneiras para frearmos a escalada canibalista contra territórios, povos e saberes tradicionais, desvirtuadas de sua potência arcaica de construir novos mundos coletivamente.