O volume 2 do livro Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências é resultante dos trabalhos completos apresentados, na modalidade de pôsteres e relatos de experiências, no décimo congresso da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura (CINABEH) – X Congresso Internacional De Diversidade Sexual, Étnico-Racial e de Gênero.
O X CINABEH, que seria realizado presencialmente, em novembro de 2020, na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá, foi realizado entre os meses de março, abril e maio de 2021, em formato virtual, em decorrência da pandemia de covid-19, que nos colocou a necessidade de medidas de isolamento social. O congresso teve como tema “Políticas da vida: coproduções de saberes e resistências”, objetivando fortalecer a indissociabilidade entre produção acadêmica e artístico-cultural, buscando também reunir um número significativo sujeitos e de trabalhos acadêmico-científicos e experiências, que versem sobre diferentes áreas do conhecimento em torno das discussões da diversidade sexual e gênero interseccionalizada com as questões étnico-raciais e religiosidades, observando a co-produção de políticas de vida e resistência das pessoas LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexos) em um contexto atual de regressão de direitos e de aprofundamento da crise estrutural do capital.
O congresso totalizou 1.315 inscrições e 608 trabalhos apresentados, dentre as mais distintas modalidades, como o Prêmio de Teses e Dissertações, Comunicações Orais, O resultado do evento foi avaliado positivamente pelas/os filadas/os presentes, o que nos animou muito já que este ano de 2021, a ABEH completa 20 anos de existência, embora tenhamos registrado a associação somente em 2006. É fundamental ratificar que a ABEH é maior associação acadêmico-científica de estudos de diversidade sexual e de gênero da América Latina e sua história conta se correlaciona com o campo de estudos em si.
Antes tomados como discussões eminentemente oriundas do campo dos movimentos político-sociais, temas como a diversidade sexual, étnico-racial e de gênero são temas que adentraram de maneira inequívoca o debate acadêmico brasileiro a partir da década de 1980. Esse “embarque” na academia destas discussões aconteceu em um contexto de um forte crescimento dos movimentos sociais e de uma enorme democratização das sociedades brasileiras e latino-americanas que emergiam de longas ditaduras militares. À crescente afirmação de “identidades diversas” presentes nos movimentos feministas, negro e LGBTI+ (então homossexuais) reafirmavam diversidades e diferenças de grupos e movimentos político-sociais baseados em construções identitárias baseadas em elementos étnicos, raciais, culturais, entre outros.
É neste contexto que a ideia/conceito de diversidades ganha força político, social e, também, como tema de pesquisa na universidade, mas diferentemente de muitas concepções, nesta obra se faz fundamental afirmar que tomamos a ideia/ conceito de diversidade não como um dado da natureza. Pelo contrário, assumimos neste debate uma busca por quebrar processos normatizantes de produção subalternizante, marginalizadora, degradante e desumanizadora dos sujeitos e, com isso, ressaltamos as pluralidades de saberes e resistências que emergem da atuação de subjetividades e de coletivos sociais negligenciados historicamente na conformação da sociedade brasileira.
Estes temas que estão na chave da “diferença” como as relações de gênero, de sexualidades, étnico-raciais, geracionais, entre outros, adentram assim, de modo definitivo, a academia e marcam a tão aclamada hoje, perspectiva dos marcadores sociais da diferença, vindo a contribuir para a compreensão e o debate que não é apenas “científico”, mas também político e ético, em um contexto contemporâneo brasileiro ainda marcado por assimetrias de poder, discriminações, opressões e violências que afrontam as pessoas que estão à margem e resistem em suas lutas cotidianas contra discursos e práticas desiguais, hierarquizantes e intolerantes.
Sob a conjuntura acima discutida, esta coletânea surge como importante voz para sujeitos que diariamente sofrem alijamento de direitos básicos, seja pelos estigmas sociais legitimados por séculos de ignorância e preconceito, seja pelos discursos radicalizados de um pensamento político conservador que, por sua natureza, deseja conservar o “status quo” de desigualdades, criando barreiras para impedir a sociedade de (se) repensar (em) conceitos de liberdades individuais. Discursos e práticas sociais que visem conceder e discutir visibilidades e posições fora do “padrão” (leia-se: masculino, viril, branco, europeizado e heteronormativo) são classificados como lacradoras, como vitimismo ou até mi-mi-mi, tentando tornar a luta por direitos essenciais algo que tornaria o cotidiano - já extremo - de crise política, econômica e sanitária em um cotidiano insuportável para aqueles que se entendem não atingidos por essas marginalizações.
Nesse contexto, produções que tratam de trazer à luz saberes plurais e práticas de resistência construídos por e/ou sobre sujeitos constituídos às margens da borda social masculina, branca e heteronormativa tornam-se fundamentais! Tais produções referenciam posturas e conhecimentos de existência, de resistência, enfim, de re-existência, como ferramentas que podem indicar caminhos para a construção de um mundo mais igual.
Este volume de “Diversidade sexual, étnico-racial e de gênero: saberes plurais e resistências” é resultado da coletânea de trabalhos apresentados no X CINABEH - Congresso Internacional da ABEH, realizado virtualmente no primeiro semestre de 2021, dada a pandemia sanitária de Covid-19, que assola a humanidade nos últimos anos. O e-book conta com pôsteres e relatos apresentados durante o evento, versando sobre interseccionalidades de práticas e conhecimentos surgidos por meio de experiências e reflexões acerca de lutas por existência social.
Os textos se debruçam sobre eixos como a educação, expondo experiências no âmbito universitário, como de grupos de estudos sobre a luta contra estigmas e preconceitos, e também projetos de extensão sobre discursos antigênero e a pandemia. Numa visão mais ampla, discute-se o estabelecimento de ramos mais inclusivos das ciências sociais, as políticas para uma educação para a sexualidade, perspectivas sobre a abordagem das dissidências sexuais em livros didáticos e experiências de estudantes sobre diversidade sexual na escola.
As questões étnico-raciais são abordadas em produções que discutem a relação necessária entre Direitos Humanos e debates profundos acerca dos estigmas sobre a cor da pele, uma análise sobre o racismo religioso e as camadas do racismo estrutural. Um outro conjunto de textos debatem as batalhas contra a barreira de imposição da heteronormatividade surgem em textos que expõem relatos sobre amarras sociais e lutos da população LGBT+ e seu “extermínio invisível” na América Latina, sobre discursos e práticas de condicionamento de gênero na infância e na juventude, assim como as buscas afetivas de gays em aplicativos de relacionamento. Também se analisa o convívio social aliado à maternidade e os desafios de homens não-normativos no mercado de trabalho.
A violência também se apresenta como fio condutor de muitos trabalhos, que destacam narrativas de desafios e enfrentamentos contra a lesbofobia, relatos de experiência sobre o impacto da violência na vida das mulheres e da população transfeminina, como transfeminicídio e lesbocídio em época de isolamento social na pandemia. São trazidas narrativas de sobrevivência de sujeitos sexodiscordantes no interior do “Brasil profundo”, e ainda experiências vividas em centros de referência e promoção da cidadania, o cenário da violência de gênero depois das eleições gerais de 2018 no Brasil, tanto na vida real como no meio digital, e uma cartografia das resistências contemporâneas contra a violência de Estado.
A luta cotidiana por espaços e direitos, transpassada em todos os trabalhos, tem foco em relatos sobre o protagonismo feminino de mulheres quilombolas na luta por territórios, relatos de vivências de amores transgressores, campanhas solidárias da população sexodiscordante em tempos de pandemia, ações de empoderamento de gênero em meio virtual e o direito à visibilidade que eventos como as paradas do orgulho proporcionam.
A população trans, abordada transversalmente em vários trabalhos, é central em abordagens sobre a saúde pública e seus desafios, a assistência especializada e o mapeamento crítico do debate na adolescência. Relatam-se experiências sobre o atendimento interdisciplinar em saúde e analisa-se a construção de personagens no teatro brasileiro.
A riqueza proporcionada pelos múltiplos recortes garante uma leitura emocionante e reveladora, que nos revela novas e peculiares perspectivas sobre existir no mundo, especialmente sobre existir habitando a margem do mundo dito padrão. Tal perspectiva poderá nos apoiar na observância de que não estamos sozinhos em nossa existência, resistência, re-existência diária. Há tantos outros sujeitos com dores e prazeres similares aos nossos, e há ainda outros sujeitos com outras dores e prazeres, tudo proporcionado pela simples necessidade de ser.
É essa necessidade de ser “fora da caixinha” a condição - com suas peculiaridades - que nos faz marginais do mundo do padrão heteronormativo-machista-branco, convocando a todos nós a uma luta para a qual precisamos unir forças! Ter empatia, colocar-se metaforicamente no lugar do outro por alguns instantes e tentar imaginar(-se) o outro no mundo poderá aumentar nossa empatia sobre a dor e a luta do outro, paralelas às nossas. E talvez consigamos enxergar que a dor e a luta não são minhas ou delas(es), mas são nossas, seres humanos que somos, em nossa batalha para que a sociedade nos trate com igualdade, sem preconceitos. Para que nos tratem como somos: como seres, como humanos, como seres humanos.
Assim, convidamos vocês à leitura e apreciação deste conjunto de textos, que esta obra reúne, com desejo de que lhes instigue resistência e lhes alimente de saberes plurais e indisciplinados.
Boa Leitura!
Organizadoras(es)