ESTE TRABALHO FOI CONCEBIDO A PARTIR DA OBSERVAÇÃO DE UMA SITUAÇÃO INTERATIVA ENTRE ALUNOS, VIVENCIADA NO AMBIENTE DA BIBLIOTECA DA ESCOLA DE APLICAÇÃO DA FE-USP, DURANTE A “AULA DE LEITURA”, EM ATIVIDADES DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO, PARA O CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS. O OBJETIVO DESTE TRABALHO FOI REFLETIR SOBRE AS POSSIBILIDADES DE UTILIZAÇÃO DO TEXTO DE RPG COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO EM SALA DE AULA . COMO OBJETO DE ESTUDO, FORAM ANALISADOS ASPECTOS CONSTITUTIVOS DO TEXTO DO LIVRO-JOGO, O RESGATE DE “RETIRANTES”: UMA AVENTURA DE ROLE PLAYING GAME PELA VIDA DE CÂNDIDO PORTINARI, ESCRITO POR CARLOS EDUARDO LOURENÇO, COM A COLABORAÇÃO DE MARIA DO CARMO ZANINI. A AVENTURA TRATA DO ROUBO DA TELA “RETIRANTES” E ESTÁ DIVIDIDA EM DOZE CENAS. METODOLOGICAMENTE, FOI FEITO UM RECORTE DENTRE AS TRAJETÓRIAS POSSÍVEIS DA AVENTURA E SELECIONADO UM PERCURSO DE LEITURA ATRAVÉS DE CENAS DO LIVRO-JOGO, O QUE CONDUZIU A UM RESULTADO ESPECÍFICO, EM TERMOS FICCIONAIS E INFORMACIONAIS. O QUADRO TEÓRICO QUE ORIENTOU A PESQUISA CENTROU-SE, PRINCIPALMENTE, EM APORTES DA TEORIA ERGÓDICA DA LITERATURA, DE AARSETH (1997) BEM COMO, QUANDO NECESSÁRIO, EM CONTRIBUIÇÕES DE HUIZINGA (2005), KOCH (2002; 2005) E MAINGUENEAU (1997; 2002). DENTRE OS RESULTADOS, A EXPLICITAÇÃO DE ALGUMAS DAS CARACTERÍSTICAS ERGÓDICAS DO JOGO DE AVENTURA LEVA A REDISCUTIR O COMPONENTE PEDAGÓGICO QUE SE VEM ASSOCIANDO AO ROLE PLAYING GAME, PARA MUITO ALÉM DE SEU CONTEÚDO INFORMACIONAL OU DE SUA ESFERA LÚDICA. NITIDAMENTE, A AVENTURA ANALISADA FOI ESCRITA COM O INTUITO DE ASSOCIAR AS DIMENSÕES LÚDICA E PEDAGÓGICA AO JOGO, TENDO SIDO DIVULGADA SOB ESSA PERSPECTIVA NO TERCEIRO SIMPÓSIO DE ROLE PLAYING GAME (2004), QUE REUNIU CURIOSOS, JOGADORES E EDUCADORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E MÉDIO. O ASPECTO LÚDICO ESTARIA ORIENTADO PARA O ENREDO DA AVENTURA – A BUSCA PELA TELA DESAPARECIDA E PELO AUTOR DO AUDACIOSO ROUBO. JÁ A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA ESTARIA FOCALIZADA NO TRABALHO EM SALA DE AULA, EXPLORANDO ASPECTOS BIOGRÁFICOS E ARTÍSTICOS DO PINTOR BRASILEIRO. INCLUSIVE, NO CONJUNTO DE TEXTOS ACESSÓRIOS QUE COMPÕEM O LIVRO-JOGO, HÁ REFERÊNCIAS COMPLETAS DOS TEXTOS CONSULTADOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA AVENTURA E, AINDA, OUTRAS INDICAÇÕES PARA PESQUISA, COM A CLARA FUNÇÃO DE DAR CREDIBILIDADE ÀS INFORMAÇÕES TRANSMITIDAS PELA AVENTURA E DESPERTAR, NO EDUCADOR, O INTERESSE PELO USO PEDAGÓGICO DO JOGO. NO QUE SE REFERE AO DESENVOLVIMENTO DO JOGO EM AULA, OBSERVOU-SE UMA MUDANÇA DE POSTURA DOS ALUNOS ENVOLVIDOS NA INTERAÇÃO: DE TÍMIDOS OU DISPERSOS, PASSARAM A SE CONCENTRAR NA ATIVIDADE, ESPECIALMENTE AO ASSUMIREM A FUNÇÃO DE NARRADORES, COMANDANDO AS AÇÕES DOS AMIGOS, VALENDO-SE DE UMA ARGUMENTAÇÃO FUNDADA EM CONHECIMENTOS PRÉVIOS SOBRE O UNIVERSO DO JOGO, A FIM DE DIRECIONAR O MELHOR DESENVOLVIMENTO POSSÍVEL DA PARTIDA. AS CONCLUSÕES REVELAM QUE A INOVAÇÃO DESSA FERRAMENTA É PROPORCIONAR UMA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DE HABILIDADES DE LEITURA, INCLUINDO A COMPETÊNCIA DISCURSIVA, AMBAS MOBILIZADAS PELO TRABALHO DOS JOGADORES COM OS TEXTOS DO LIVRO-JOGO. AO MANUSEAREM O MATERIAL, ELES TOMAM CONTATO COM O TEXTO PRINCIPAL – O DA AVENTURA – E COM TEXTOS ACESSÓRIOS DO LIVRO-JOGO – PARATEXTOS, INTERTEXTOS E HIPERTEXTOS – QUE AJUDAM A DESENVOLVÊ-LA. ASSIM, A EXPLICITAÇÃO DE ALGUMAS DESSAS CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS, CUJO RELEVO É ESPECIALMENTE DADO PELA TEORIA ERGÓDICA DA LITERATURA, PERMITE COMPREENDER A SINGULARIDADE ESTRUTURAL DOS JOGOS-TEXTO. PELA SUA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, NÃO SÃO TEXTOS QUE SE BASTAM. ELES SE ASSEMELHAM A UM QUEBRA-CABEÇA: CADA INFORMAÇÃO É COMO UMA PEÇA QUE DEVE SER SELECIONADA DENTRE OUTRAS E PODE ENCAIXAR-SE PERFEITAMENTE OU SER DESCARTADA. PARA AARSETH, O LEITOR DE UM TEXTO ERGÓDICO É UM “FALSO” LEITOR, POIS ELE NÃO POSSUI ESCOLHA: É ARREBATADO PARA DENTRO DA “HISTÓRIA”, MUITAS VEZES COMO SEU PROTAGONISTA. PARA CUMPRIR ESSA TAREFA, O LEITOR NECESSITA DE UMA ENERGIA ADICIONAL, QUE GASTA COM OS PROCESSOS MENTAIS E FÍSICOS NECESSÁRIOS À LEITURA. O TEXTO “FICCIONAL” ERGÓDICO CASTIGA UM LEITOR DESATENTO DE VÁRIAS FORMAS: PODE OBRIGÁ-LO A PERMANECER EM UM DETERMINADO ESTÁGIO DO ENREDO OU FAZÊ-LO REGRESSAR COMO PENA PELA AVIDEZ INADEQUADA: NAS DUAS SITUAÇÕES É PRECISO AGIR E ENCONTRAR UMA SAÍDA. OUTRA MÁXIMA DO JOGO DE AVENTURA: QUERER NÃO É PODER. NÃO RARO, O LEITOR DESEJA PRATICAR DETERMINADA AÇÃO, MAS AS “REGRAS” DO JOGO O IMPEDEM, COM POUCAS CHANCES DE RECURSO. ESSE RISCO DE REJEIÇÃO ENFRENTADO PELO LEITOR ERGÓDICO É RADICALMENTE OPOSTO À POSTURA TRANQUILA DO LEITOR TRADICIONAL; POR MAIS QUE ESTE SE ENVOLVA COM A HISTÓRIA E ASPIRE A OUTROS DESDOBRAMENTOS, NÃO LHE É FACULTADO INTERVIR OU ALTERAR SEUS RUMOS. O TEXTO TRADICIONAL PERMITE UMA ATITUDE BEM MAIS DISTENSA DO LEITOR NO ATO DE LEITURA, INTERROMPIDA APENAS PELO EXCESSO DE CURIOSIDADE OU DE TÉDIO. A OPOSIÇÃO “TENSÃO” VERSUS “RELAXAMENTO” CARACTERIZA A DIVERSIDADE DOS MODOS DE PENSAR E AGIR DE AMBOS OS LEITORES, POIS LER E INTERPRETAR UM TEXTO ERGÓDICO ESBARRA SEMPRE NA NECESSIDADE DE UMA INTERVENÇÃO ORIENTADA, DA QUAL O LEITOR JAMAIS PODE ESQUIVAR-SE, A MENOS QUE DESISTA DO TEXTO, OU MELHOR, DO JOGO. FRENTE A ESSAS CONSTATAÇÕES, OS USOS DO ROLE PLAYING GAME EM SALA DE AULA MERECEM AINDA REFLEXÕES COMPLEMENTARES, A FIM DE SISTEMATIZAR POSSÍVEIS APLICAÇÕES NA FORMAÇÃO INICIAL OU CONTINUADA DE DOCENTES, INSTRUMENTALIZANDO-OS PARA UMA ABORDAGEM REALMENTE PRODUTIVA DO JOGO-TEXTO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AARSETH, ESPEN J. CYBERTEXT: PERSPECTIVES ON ERGODIC LITERATURE. BALTIMORE: THE JOHNS HOPKINS UNIVERSITY PRESS, 1997. HUIZINGA, JOHAN. HOMO LUDENS: O JOGO COMO ELEMENTO DE CULTURA. TRAD. JOÃO PAULO MONTEIRO. SÃO PAULO: PERSPECTIVA, 2005. (COLEÇÃO ESTUDOS). KOCH, INGEDORE G. V.. O TEXTO E A CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS. 6. ED. REV. E AMPL. SÃO PAULO: CONTEXTO, 2002. ____. DESVENDANDO OS SEGREDOS DO TEXTO. 4. ED. SÃO PAULO: CORTEZ, 2005. LOURENÇO, CARLOS E. O RESGATE DE RETIRANTES: UMA AVENTURA DE RPG PELA VIDA DE CÂNDIDO PORTINARI. SÃO PAULO: DEVIR, 2003.(SÉRIE MINI-GURPS). MAINGUENEAU, DOMINIQUE. NOVAS TENDÊNCIAS EM ANÁLISE DO DISCURSO. TRAD. FREDA INDURSKY. 3. ED. SÃO PAULO: PONTES, 1997. ___. ANÁLISE DE TEXTOS DE COMUNICAÇÃO. 2. ED. SÃO PAULO: CORTEZ, 2002.