A IRONIA POR MENÇÃO ECOANTE COMO ESTRATÉGIA AVALIADORA DO DISCURSO POLÍTICO
GIRLLAYNNE GLEYKA BEZERRA DOS SANTOS MARQUES
RESUMO
NO PRESENTE TRABALHO, COMPREENDEMOS IRONIA ENQUANTO ATIVIDADE DE LINGUAGEM (BRAIT, 2008) CUJOS ASPECTOS SEMINAIS SÃO TANTO O FINGIMENTO (PLATÃO, 1965) LOCALIZANDO ESSE FENÔMENO DE MANEIRA INTRÍNSECA NA DIMENSÃO DO DISCURSO (HUTCHEON, 2000; BRAIT, 2008). PORTANTO, CONSIDERAMOS TAMBÉM A RELEVÂNCIA COMUNICATIVA DOS RECURSOS DE EXPRESSÃO DE IRONIA (HUTCHEON, 2000), POIS, SE, POR UM LADO, A IRONIA É FINGIDA, POR OUTRO, SENDO LINGUAGEM, TAMBÉM DEVE SER COMUNICADA, UTILIZANDO-SE DE VÁRIOS RECURSOS PARA EDIFICAR E EXPRESSAR O SENTIDO IRÔNICO, DENTRE OS QUAIS, AQUI, DESTACAREMOS O RECURSO DA MENÇÃO ECOANTE, QUE CONSISTE NA MENÇÃO DE FORMA IRÔNICA DA FALA DE OUTRA PESSOA QUE SE PRETENDE AVALIAR (SPERBER; WILSON, 1981) E SEUS PROCESSOS DE COMPREENSÃO. O TRABALHO PARTE DE RESULTADOS DE PESQUISA ANTERIOR (MARQUES, 2016), QUE SINALIZAM PARA A PROEMINÊNCIA DO USO DA MENÇÃO ECOANTE ENQUANTO ESTRATÉGIA DE EXPRESSÃO DE IRONIA. CIENTES DISSO, TEMOS INVESTIGADO EM MAIOR PROFUNDIDADE AS FORMAS DE APROPRIAÇÃO IRÔNICA DO DISCURSO DO OUTRO, SENDO AQUI ANALISADO UM EPISÓDIO, UMA PUBLICAÇÃO DA JORNALISTA VERA MAGALHÃES NO TWITTER, PARA DISCUTIR PARA A COMPLEXIDADE DO JOGO IRÔNICO E FOCALIZAR OS PROCESSOS DE COMPREENSÃO ENVOLVIDOS NELE. O TRABALHO SE ORGANIZA EM CINCO SEÇÕES: INTRODUÇÃO, METODOLOGIA, FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA, RESULTADOS E DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS, ALÉM DAS REFERÊNCIAS. OS PRINCIPAIS ACHADOS DA PESQUISA APONTAM PARA A EFETIVIDADE DO RECURSO DA MENÇÃO ECOANTE ENQUANTO ESTRATÉGIA IRÔNICA PARA AVALIAÇÃO DO DISCURSO POLÍTICO, UMA VEZ QUE ESSE RECURSO EXPLICITA O ALVO DA AVALIAÇÃO IRÔNICA, FOMENTANDO O DEBATE PÚBLICO. POR OUTRO LADO, DIANTE DA AMBIGUIDADE LHE É CONSTITUTIVA, A IRONIA REQUER DO PÚBLICO-LEITOR UM TRABALHO ATIVO E DEMANDA DELE CONHECIMENTOS EXTRALINGUÍSTICOS E METALINGUÍSTICOS ESPECÍFICOS, PARA QUE DE FATO A COMPREENSÃO E SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA ACONTEÇA. POR FIM, TECEMOS AS CONSIDERAÇÕES FINAIS, SINTETIZANDO AS PRINCIPAIS CONCLUSÕES ADVINDAS DAS ANÁLISES E SINALIZANDO DESDOBRAMENTOS SUSCITADOS A PARTIR DESTA PESQUISA.
PALAVRAS-CHAVE: DISCURSO POLÍTICO; IRONIA; MENÇÃO ECOANTE; COMPREENSÃO.
INTRODUÇÃO
O CONCEITO DE IRONIA (EM GREGO EIRONEIA) EM SUA GÊNESE JÁ INCORPORA A NOÇÃO DE FINGIMENTO E DE CONSTITUTIVA AMBIGUIDADE. INICIALMENTE FORMULADO POR PLATÃO (1965) PARA REFERIR A ESTRATÉGIA DISCURSIVA USADA POR SÓCRATES, A IRONIA SIGNIFICA “A AÇÃO DE PERGUNTAR FINGINDO IGNORAR” (MIOTTI, 2010, P. 119) QUE, BUSCANDO LEVAR OS OPONENTES À CONTRADIÇÃO E AO RIDÍCULO, TEM NA AMBIGUIDADE UM RECURSO MUITO PODEROSO PARA O IRONISTA (EIRON) E DESAFIADOR PARA O INTERPRETADOR. PARA O IRONISTA, A IRONIA BUSCA EVITAR O DOGMÁTICO E QUESTIONAR OS VALORES PROPOSTOS PELOS OPOSITORES, MAS SEM ASSUMIR OS RISCOS DE UM QUESTIONAMENTO EXPLÍCITO (HUTCHEON, 2000) SE CONSTITUINDO A IRONIA UMA ESTRATÉGIA ENUNCIATIVA (BRAIT, 2008). DECORREM DESSE FUNCIONAMENTO SUA NATUREZA INFERENCIAL E A CONCEPÇÃO DE QUE A IRONIA É UM ACONTECIMENTO OCORRIDO NA DIMENSÃO DO DISCURSO (HUTCHEON, 2000).
HUTCHEON (2000) DEFENDE UMA RELATIVA NECESSIDADE DE SINALIZAR AO INTERLOCUTOR A PRESENÇA DE INTENTO IRÔNICO, HAVENDO DIVERSOS MECANISMOS PARA ESSA SINALIZAÇÃO. NO ENTANTO, TRADICIONALMENTE, TAIS RECURSOS TÊM SE SOBRESSAÍDO AO JOGO AMBÍGUO E PARTILHADO DA IRONIA, SE TORNANDO FINS EM SI MESMOS E NÃO MEIOS PARA ELUCIDAR OS PROCESSOS DE COMPREENSÃO DA IRONIA (HUTCHEON, 2000). A AUTORA DESTACA DOIS TIPOS DE RECURSOS DE EXPRESSÃO DE IRONIA: OS RECURSOS METAIRÔNICOS, QUE SÃO SINAIS PARALINGUÍSTICOS CUJA FUNÇÃO RESIDE EM METACOMUNICAR (BATESON, 1998) A EXISTÊNCIA DO INTENTO IRÔNICO E FUNCIONAM DE FORMA MAIS OU MENOS CONVENCIONALIZADA, TAIS COMO O USO DE ASPAS OU ENTONAÇÃO; E OS RECURSOS ESTRUTURADORES DE IRONIA, QUE CONSISTEM EM FORMAS DE CONSTRUÇÃO DE UMA BASE DISCURSIVA INCONGRUENTE, LEVANDO A UMA SIGNIFICAÇÃO DE NATUREZA AVALIADORA (HUTCHEON, 2000).
A PRESENTE ANÁLISE SE BASEIA EM UMA ENUNCIAÇÃO IRÔNICA ESTRUTURADA ATRAVÉS DO RECURSO DA MENÇÃO ECOANTE, SEM RECURSOS METAIRÔNICOS. O INTERESSE NO RECURSO DA MENÇÃO ECOANTE PARTE DE ACHADOS ANTERIORES DE QUE ESSA É UMA ESTRATÉGIA DE ENUNCIAÇÃO IRÔNICA MUITO FREQUENTE NAS INTERAÇÕES DE CUNHO POLÍTICO (MARQUES, 2016). O CASO ANALISADO É REFERENTE À DECLARAÇÃO DO MINISTRO DA SAÚDE, EDUARDO PAZUELLO DE QUE “PODEMOS SEPARAR O BRASIL EM NORTE E NORDESTE, QUE É A REGIÃO QUE ESTÁ MAIS LIGADA AO INVERNO DO HEMISFÉRIO NORTE, SÃO AS DATAS DO HEMISFÉRIO NORTE EM TERMOS DE INVERNO” (JORNAL DO COMMERCIO, 2020, ONLINE). ANALISAREMOS COMO A FALA DO MINISTRO FOI INCORPORADA DE FORMA IRÔNICA ATRAVÉS DE UMA POSTAGEM NO TWITTER (TWEET) DA JORNALISTA VERA MAGALHÃES, COM ATENÇÃO, SOBRETUDO, NAS INTERAÇÕES PRESENTES NESSA PUBLICAÇÃO PARA INTERPRETAR COMO OS INTERACTANTES COMPREENDEM ESSA INCORPORAÇÃO.
DIANTE DO EXPOSTO, TIVEMOS COMO OBJETIVO PRINCIPAL VERIFICAR COMO SE DÁ, NA INTERAÇÃO, A COMPREENSÃO DA APROPRIAÇÃO IRÔNICA DE DECLARAÇÕES DE PERSONALIDADES POLÍTICAS, ESTABELECENDO COMO OBJETIVOS ESPECÍFICOS: A) DELIMITAR UM CONCEITO DE IRONIA COM FOCO NOS PROCESSOS DE COMPREENSÃO; B) OBSERVAR NA REPERCUSSÃO DE TAIS DECLARAÇÕES NAS REDES SOCIAIS OS PROCESSOS DE COMPREENSÃO, SELECIONANDO ALGUNS CASOS E BUSCANDO DESCORTINAR AS MÚLTIPLAS SIGNIFICAÇÕES LATENTES NA TRAMA ENUNCIATIVA IRÔNICA. PARA TANTO, ANALISAMOS OS MECANISMOS UTILIZADOS PARA SE CONSTRUIR O EFEITO IRÔNICO, BUSCANDO DESTACAR OS PROCESSOS DE COMPREENSÃO ENVOLVIDOS (MARCUSCHI, 2008) E SEUS RESPECTIVOS EFEITOS DE SENTIDO A PARTIR DAS INTERAÇÕES SUBSEQUENTES AO ENUNCIADO IRÔNICO ANALISADO.
METODOLOGIA
O PRIMEIRO PONTO DA PESQUISA É UMA FORMULAÇÃO CLARA E COERENTE À ABORDAGEM DA PRESENTE PESQUISA DO CONCEITO DE IRONIA. LOCALIZAMOS O TRABALHO DENTRO DAS PERSPECTIVAS DISCURSIVAS, ADMITINDO A IRONIA COMO UMA ATIVIDADE DE LINGUAGEM (BRAIT, 2008) E, COMO TAL, LOCALIZADA NA DIMENSÃO DO JOGO ENUNCIATIVO, SENDO PONTO CENTRAL PARA SEU ACONTECIMENTO O PAPEL DO INTERPRETADOR (HUTCHEON, 2000). RECORREMOS AINDA A ASPECTOS DA TEORIZAÇÃO SOBRE O RECURSO DA MENÇÃO ECOANTE (SPERBER; WILSON, 1981) E SOBRE PROCESSO DE COMPREENSÃO (MARCUSCHI, 2008) PARA ELUCIDAR PONTOS ESPECÍFICOS DO CASO EM ANÁLISE, TAIS COMO A MOTIVAÇÃO PARA O USO DESSE RECURSO ESPECÍFICO E QUAIS AS CONDIÇÕES PARA QUE OCORRA OU NÃO O PROCESSO DE COMPREENSÃO.
O CASO ANALISADO FAZ PARTE DE CORPUS MAIS AMPLO, ANALISADO EM PESQUISAS DESENVOLVIDAS NO MESTRADO, JÁ TERMINADO, E DOUTORADO EM ANDAMENTO, SOBRE USOS DE IRONIA EM CONTEXTOS POLÍTICOS. INICIALMENTE, LOCALIZAMOS AQUELES EPISÓDIOS DE DECLARAÇÃO DE PERSONALIDADES POLÍTICAS QUE GERAM GRANDE ENGAJAMENTO NAS REDES SOCIAIS, PELA OBSERVAÇÃO DAS HASHTAGS E REPERCUSSÃO NA MÍDIA INSTITUCIONAL (JORNAIS); POSTERIORMENTE, PESQUISAMOS NESSES SITES DE REDE SOCIAL POR TERMOS-CHAVE DESSA DECLARAÇÃO, NO CASO “INVERNO NO NORDESTE”/ “INVERNO NO NORTE”, SELECIONANDO A INTERAÇÃO DE MAIOR ALCANCE E ENGAJAMENTO, QUE, PARA A DECLARAÇÃO DE PAZUELLO, FOI UMA PUBLICAÇÃO DA JORNALISTA VERA MAGALHÃES NO TWITTER. AS ANÁLISES CONSISTIRAM EM OBSERVAR COMO O DISCURSO DO MINISTRO FOI RETOMADO NAS INTERAÇÕES DESSE TWEET, BUSCANDO IDENTIFICAR COMO A INCONGRUÊNCIA IRÔNICA SE CONSTRUIU EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS INFORMAÇÕES E ANALISAR, ATRAVÉS DAS RESPOSTAS À PUBLICAÇÃO, COMO OS DEMAIS INTERACTANTES COMPREENDERAM ESSA ENUNCIAÇÃO EM SEU POTENCIAL IRÔNICO.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
NO PRESENTE ESTUDO TOMANDO A IRONIA NUMA PERSPECTIVA SOCIODISCURSIVA, CONSIDERAMOS QUE A ABORDAGEM DA TRADIÇÃO ORATÓRIA, QUE CONCEBE A IRONIA NA DICOTOMIA SENTIDO LITERAL X SENTIDO FIGURADO, SENDO ÚLTIMO O OPOSTO DO PRIMEIRO, NÃO CONTEMPLA A COMPLEXIDADE DO JOGO IRÔNICO, AO MINIMIZAR SEU POTENCIAL COMUNICATIVO (HUTCHEON, 2000). DESSA FORMA, AMPLIAMOS A COMPREENSÃO DA IRONIA PARA ALÉM DO SENTIDO FIGURADO COMO OPOSTO DO LITERAL, ASSUMINDO QUE A IRONIA É, COMO TODA ATIVIDADE DISCURSIVA, POLISSÊMICA, COMPLEXA E CUJOS SENTIDOS SE DETERMINAM APENAS NA INTERAÇÃO, SENDO NOSSO OBJETIVO REFLETIR COMO A IRONIA TEM SIDO UTILIZADA E COMPREENDIDA.
REFERINDO-SE INICIALMENTE À ESTRATÉGIA DISCURSIVA SOCRÁTICA BASEADA NO FINGIMENTO COM O OBJETIVO DE DESCORTINAR NO DEBATE O RIDÍCULO, AS CONTRADIÇÕES DOS OPONENTES (PLATÃO, 1965), A IRONIA PODE SER COMPREENDIDA COMO UM “JOGO ENTRE O QUE O ENUNCIADO DIZ E A ENUNCIAÇÃO FAZ DIZER” (BRAIT, 2008, P. 140) OU AINDA UM JOGO ENTRE DITO E NÃO DITO DOTADO DE UMA ARESTA AVALIADORA (HUTCHEON, 2000). O DITO É O ENUNCIADO EXPLÍCITO, SOBRE O QUAL INCIDE A AVALIAÇÃO IRÔNICA. JÁ O NÃO DITO DA IRONIA É FREQUENTEMENTE ASSOCIADO A ESSA ATITUDE AVALIADORA DO IRONISTA, FICANDO IMPLÍCITO E SENDO COMPREENDIDO POR MEIO DA INFERÊNCIA (HUTCHEON, 2000; MARCUSCHI, 2008). O DESLOCAMENTO DA CONCEPÇÃO DA IRONIA COMO SENTIDO FIGURADO PARA UMA CONCEPÇÃO DE JOGO ENTRE DITO E NÃO DITO IMPLICA COMPREENDER A IRONIA COMO INCLUSIVA E RELACIONAL, EM QUE DITO E NÃO DITO COEXISTEM PARA O INTERPRETADOR E CADA UM FAZ SENTIDO EM RELAÇÃO AO OUTRO PORQUE ELES LITERALMENTE INTERAGEM PARA CRIAR O VERDADEIRO SENTIDO IRÔNICO (HUTCHEON, 2000, P. 30).
ESSA SIGNIFICAÇÃO INCLUSIVA DA IRONIA SURGE TAMBÉM NA TEORIA DA IRONIA COMO MENÇÃO DE SPERBER E WILSON (1981). OS AUTORES FOCALIZAM A IRONIA EM RELAÇÃO À NOÇÃO DE IMPLICATURA, OU SEJA, COMO MECANISMO LINGUÍSTICO EM QUE “SE PODE COMUNICAR MAIS DO QUE EFETIVAMENTE SE DIZ” (LEVINSON, 2007, P. 126 – ÊNFASE NOSSA), E, AINDA QUE ASSOCIADOS À PRAGMÁTICA GRICEANA, SE DISTANCIAM DOS POSTULADOS DE GRICE EM DOIS PONTOS DE SUA TEORIZAÇÃO. PRIMEIRO, OS AUTORES REFORÇAM O CARÁTER ADICIONAL DA IMPLICATURA IRÔNICA, REJEITANDO A NOÇÃO DE QUE A IMPLICATURA IRÔNICA NÃO PODE SER O OPOSTO DO QUE FOI ENUNCIADO. SEGUNDO, OS AUTORES ARGUMENTAM QUE, EMBORA A VIOLAÇÃO DA MÁXIMA DE VERDADE SEJA RELEVANTE PARA A IRONIA, HÁ ENUNCIADOS, POR EX. MENTIRAS, QUE VIOLAM ESSA MÁXIMA, MAS NÃO IMPLICAM IRONIA, NÃO SENDO A VIOLAÇÃO DA MÁXIMA DE VERDADE SUFICIENTE PARA A EXPLICAÇÃO DA IRONIA (SPERBER; WILSON, 1981, P. 309). A PROPOSTA DE SPERBER E WILSON É QUE A IRONIA É UM TIPO DE ENUNCIADO EM QUE A MÁXIMA DE VERDADE É VIOLADA, MAS CUJA SIGNIFICAÇÃO É CONSTRUÍDA JUSTAMENTE NA FRICÇÃO ENTRE O QUE É ENUNCIADO E A IMPLICATURA (SPEERBER; WILSON, 1981, P. 309), DEPENDENDO NATURALMENTE DE INFERÊNCIAS, DO PRINCÍPIO COOPERATIVO E DA SUPOSIÇÃO DE PRETENSÃO IRÔNICA, OU SEJA, DE POSTURA AVALIADORA.
OUTRO PONTO INTERESSANTE DA TEORIA DA IRONIA COMO MENÇÃO É A DISCUSSÃO SOBRE A PREFERÊNCIA DO SENTIDO IRÔNICO EM RELAÇÃO AO ENUNCIADO LITERAL. PARA REFLETIR SOBRE O PAPEL DO ENUNCIADO NA SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA, OS AUTORES RELACIONAM A CONCEPÇÃO PLATÔNICA DA IRONIA COMO EIRON COM A DISTINÇÃO MENÇÃO-USO ADVINDA DA LÓGICA CLÁSSICA. O EIRON É CONCEBIDO, NA GÊNESE DA IRONIA, COMO UM ATOR QUE ENUNCIA UM DISCURSO (O DITO) COMO A FALA DE UM PERSONAGEM QUE PRETENDE REPRESENTAR. PORÉM, ESSA REPRESENTAÇÃO NÃO BUSCA EXALTAR O DISCURSO RETRATADO, MAS JUSTAMENTE CONTESTAR, ASSINALAR INCONSISTÊNCIAS, CONTRADIÇÕES, MOSTRAR-LHE O RIDÍCULO (SPERBER; WILSON, 1981), OU SEJA, DIRECIONAR A ELE A ARESTA AVALIADORA DA IRONIA (HUTCHEON, 2000). PORTANTO, SE A IRONIA CONSISTE NA FRICÇÃO ENTRE ESSE ‘DISCURSO MOSTRADO’ E A ATITUDE IRÔNICA E A IMPLICATURA OCORRE SOBRE O DISCURSO MOSTRADO, ESSE DISCURSO DESEMPENHA PAPEL FUNDAMENTAL NA SIGNIFICAÇÃO DA IRONIA.
SPERBER E WILSON ASSOCIAM ESSA REPRESENTAÇÃO DO ENUNCIADO À DISTINÇÃO ENTRE MENÇÃO E USO DA LÓGICA CLÁSSICA, EM QUE O USO SE DISTINGUE DA MENÇÃO AO SER “UMA EXPRESSÃO QUE ENVOLVE A REFERÊNCIA AO QUE A EXPRESSÃO SE REFERE” (SPERBER; WILSON, 1981, P. 303), E CUJO VALOR PRAGMÁTICO É ADOTADO PELO ENUNCIADOR, JÁ A MENÇÃO É “UMA EXPRESSÃO QUE ENVOLVE A REFERÊNCIA À EXPRESSÃO EM SI” (SPERBER; WILSON, 1981, P. 303), SE TORNANDO UM OBJETO DO DISCURSO DE CARÁTER METALINGUÍSTICO. OS AUTORES ADVOGAM QUE O ENUNCIADO MOSTRADO NA IRONIA SERIA UMA ESPÉCIE DE MENÇÃO, POIS A IRONIA SE BASEIA NO FATO DE O IRONISTA FINGIR SER UM PERSONAGEM CUJO DISCURSO É REPRESENTADO PARA SER CONTESTADO, ASSIM, AO MESMO TEMPO EM QUE SE MENCIONA A EXPRESSÃO, SE RECUSA SUA CARGA SEMÂNTICA E LHE ATRIBUI OUTRO VALOR. PORTANTO, DIANTE DESSA EXPRESSÃO MENCIONADA, MAS NÃO USADA, O INTERLOCUTOR INFERE SIGNIFICADOS ADICIONAIS, REALIZANDO A IMPLICATURA IRÔNICA SOBRE ESSA MENÇÃO. POR FIM, OS AUTORES SINALIZAM QUE, SEM A CLAREZA DE QUE O ENUNCIADO ESTÁ SENDO MENCIONADO, “NÃO HAVERÁ COMO EXPLICAR AS ATITUDES DE ZOMBARIA OU DESAPROVAÇÃO DO FALANTE” (SPERBER; WILSON, 1981, P. 308), UMA VEZ QUE ESSA ATITUDE DE DESAPROVAÇÃO FREQUENTEMENTE TEM COMO VÍTIMA O ENUNCIADOR ORIGINÁRIO ESPECÍFICO, RECONHECÍVEL DO ENUNCIADO MENCIONADO (SPERBER; WILSON, 1981, P. 314). SOBRE ESSE PONTO, CABE RESSALTAR QUE HUTCHEON (2000) ADICIONA O QUALIFICADOR ECOANTE À PROPOSTA DA IRONIA POR MENÇÃO, POIS, TENDO A IRONIA UMA VÍTIMA, NO PROCESSO DE COMPREENSÃO CONVÉM QUE A MENÇÃO ECOE O ENUNCIADOR ORIGINÁRIO, RECAINDO SOBRE ELE A ARESTA AVALIADORA DA IRONIA INFERIDA.
PARA SPERBER E WILSON (1981), TODAS AS OCORRÊNCIAS DE IRONIA SE EDIFICARIAM NECESSARIAMENTE ATRAVÉS DA MENÇÃO, MAS BRAIT (2008, P. 72) PONDERA QUE O RECURSO DA MENÇÃO É UMA ESTRATÉGIA RECORRENTE NA ESTRUTURAÇÃO DA IRONIA, MAS NÃO É A ÚNICA, EXISTINDO AINDA, APENAS NO CAMPO DA RELAÇÃO ENTRE O DISCURSO IRÔNICO E OUTROS DISCURSOS, OU SEJA, NO CAMPO DO INTERDISCURSO, A ESTRATÉGIA DA INTERTEXTUALIDADE E DA INTERFERÊNCIA DE SÉRIES (CF. BRAIT, 2008). É NECESSÁRIO AINDA PONTUAR QUE AS INCORPORAÇÕES DISCURSIVAS COM OBJETIVO IRÔNICO “NÃO ASSUMEM, COMO TAL, A FUNÇÃO DE ERUDIÇÃO, NO SENTIDO DE INVOCAÇÃO DE AUTORIDADE”, MAS SIM “SÃO FORMAS DE CONTESTAÇÃO DA AUTORIDADE, DE SUBVERSÃO DOS VALORES ESTABELECIDOS QUE, PELA INTERDISCURSIVIDADE, INSTAURAM E QUALIFICAM O SUJEITO DA ENUNCIAÇÃO, AO MESMO TEMPO EM QUE DESQUALIFICAM DETERMINADOS ELEMENTOS. (BRAIT, 2008, P. 141), O QUE COADUNA COM O CARÁTER ESTRATÉGICO DA IRONIA E A TEORIA DA IRONIA COMO MENÇÃO.
POR FIM, O JOGO PARA DOIS DA IRONIA (MUECKE, 1995) COLOCA IRONISTA E INTERPRETADOR COMO PARTES IGUALMENTE RESPONSÁVEIS E IMPORTANTES PARA O EFETIVO ACONTECIMENTO IRÔNICO, ASSIM, AINDA QUE O IRONISTA PRETENDA “ESTABELECER UMA RELAÇÃO IRÔNICA ENTRE O DITO E O NÃO DITO” (HUTCHEON, 2000, P. 28), COMPETE AO INTERPRETADOR INFERIR ESSA INTENÇÃO, FAZENDO A IRONIA ACONTECER, OU SEJA, “A IRONIA NÃO É IRONIA ATÉ QUE SEJA INTERPRETADA COMO TAL” (HUTCHEON, 2000, P. 22-23). UMA QUESTÃO QUE SE COLOCA, ENTÃO, É “COMO É QUE O INTERPRETADOR SABE QUANDO (E COMO) ENQUADRAR UMA ELOCUÇÃO DESSA MANEIRA (IRÔNICA)? (HUTCHEON, 2000, P. 210 – PARÊNTESES NOSSOS). HUTCHEON APONTA PARA A EXISTÊNCIA DE ALGO QUE SUGERE UM ENQUADRAMENTO IRÔNICO, OU SEJA, UM CONTEXTO EM QUE ESSA SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA PODE ACONTECER, COMO RECURSOS ESPECÍFICOS – DO TIPO ESTRUTURADOR OU METAIRÔNICO – QUE SUGEREM AO INTERLOCUTOR A POSSIBILIDADE DE INTENTO IRÔNICO. A DIFICULDADE, DE ACORDO COM HUTCHEON (2000, P. 213), É QUE ESSE ‘ALGO’ PODE DIFERIR PARA CADA INTERPRETADOR, PELA NATUREZA CULTURALMENTE CONVENCIONAL DESSES SINAIS, OU PODE NEM MESMO EXISTIR, PELA AMBIGUIDADE CARACTERÍSTICA DA IRONIA QUE FAZ COM QUE ALGUMAS OCORRÊNCIAS SE MANTENHAM DÚBIAS PELA AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÕES, O QUE PARECE SER MUITO PERTINENTE AOS OBJETIVOS AVALIATIVOS ASSOCIADOS À IRONIA.
ASSIM, CABE AO INTERPRETADOR, DIANTE DE UM CONTEXTO CARENTE DE EVIDÊNCIAS, CONSTRUIR A SIGNIFICAÇÃO (MARCUSCHI, 2008, P. 242), MOBILIZANDO PARA ISSO CONHECIMENTOS PRÉVIOS DE ORDENS VARIADAS. POR ESSA RAZÃO, AS PROPOSTAS TEÓRICAS AQUI APRESENTADAS (HUTCHEON, 2000; BRAIT, 2008; SPERBER; WILSON, 1981) COMPARTILHAM DA CONCEPÇÃO DE QUE A IRONIA OCORRE NO NÍVEL DO PROCESSO INTERACIONAL, DE MODO QUE O PROCESSO DE COMPREENSÃO DO TEXTO IRÔNICO, COMO QUALQUER TEXTO, SE DÁ NUMA RELAÇÃO CONSTRUTIVA, CRIATIVA E SOCIOINTERATIVA ENTRE AUTOR, TEXTO E LEITOR (MARCUSCHI, 2008, P. 248), TORNANDO IMPRESCINDÍVEL A MOBILIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS PARA ALÉM DOS ELEMENTOS LINGUÍSTICOS DISPONÍVEIS NO TEXTO, PRINCIPALMENTE NO QUE SE REFERE À ATITUDE DO IRONISTA, CUJA SIGNIFICAÇÃO É DE BASE INFERENCIAL
RESULTADOS
CONSIDERANDO QUE “O TEXTO É UMA PROPOSTA DE SENTIDO E SE ACHA ABERTO A VÁRIAS ALTERNATIVAS DE COMPREENSÃO” (MARCUSCHI, 2008, P. 242), PROPOMOS A PRESENTE ANÁLISE COM O OBJETIVO DE OBSERVAR COMO OS PARTICIPANTES DE UMA DADA INTERAÇÃO COMPREENDERAM UM TEXTO POTENCIALMENTE IRÔNICO. O CASO ANALISADO É UM TWEET DA JORNALISTA VERA MAGALHÃES NO CONTEXTO DA DECLARAÇÃO DO MINISTRO DA SAÚDE EDUARDO PAZUELLO SOBRE AS ESTAÇÕES CLIMÁTICAS NO BRASIL DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19, EM QUE O MINISTRO AFIRMA QUE: “PODEMOS SEPARAR O BRASIL EM NORTE E NORDESTE, QUE É A REGIÃO QUE ESTÁ MAIS LIGADA AO INVERNO DO HEMISFÉRIO NORTE, SÃO AS DATAS DO HEMISFÉRIO NORTE EM TERMOS DE INVERNO” (JORNAL DO COMMERCIO, 2020, ONLINE). TAL DECLARAÇÃO REPERCUTIU AMPLAMENTE NA MÍDIA E REDES SOCIAIS, PRINCIPALMENTE ATRAVÉS DA PUBLICAÇÃO DE MEMES – ESTRUTURAS TEXTUAIS DISSEMINADAS NAS REDES SOCIAIS DE CARÁTER MULTIMODAL COM VIÉS IRÔNICO (CASTRO; CARDOSO, 2015, P. 3) E DE NATUREZA REPLICADORA. A ESCOLHA PELO TWEET DE VERA MAGALHÃES, FEITO EM 10 DE JUNHO DE 2020, SE JUSTIFICA PELO ALCANCE DA INTERAÇÃO (170 COMENTÁRIOS E 3,6 MIL CURTIDAS) E PELO JOGO IRÔNICO OPERANDO EM DIVERSAS DIREÇÕES, O QUE O TORNA INTERESSANTE PARTICULARMENTE PARA INVESTIGAR AS CONDIÇÕES ENVOLVIDAS NO PROCESSO DE COMPREENSÃO. PARA TANTO, AQUI CONSIDERAMOS TODA A INTERAÇÃO DECORRENTE DESSA PUBLICAÇÃO INICIAL, ANALISANDO NÃO APENAS A SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA INSTAURADA NO TWEET DE VERA MAGALHÃES, MAS TAMBÉM PROCESSOS DE COMPREENSÃO RECUPERADOS A PARTIR DAS INTERAÇÕES NESSE TWEET.
INICIALMENTE, DESTACAMOS QUE, NESSE CASO, O DISCURSO DO MINISTRO É APROPRIADO DE FORMA INTERDISCURSIVA, E NÃO COMO UMA MENÇÃO EXPLÍCITA. A IRONIA SE ESTRUTURA A PARTIR DA INTERSECÇÃO ENTRE IMAGEM E TEXTO, COMO DESCRITO POR BRAIT (2008) SOBRE ESSA INTERSECÇÃO EM JORNAIS, DESAFIANDO O INTERLOCUTOR NUM JOGO DE MOBILIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS. ASSIM PARA A COMPREENSÃO DO INTENTO IRÔNICO É PRECISO QUE INTERLOCUTOR MOBILIZE CONHECIMENTOS LINGUÍSTICOS E ENCICLOPÉDICOS MAIS ESPECÍFICOS PARA QUE ENQUADRAMENTO IRÔNICO SEJA POSSÍVEL (HUTCHEON, 2000). INICIALMENTE, O INTERLOCUTOR DEVE MOBILIZAR SEU CONHECIMENTO DE MUNDO DE MODO A COMPREENDER A RELAÇÃO ENTRE A IMAGEM E A LEGENDA INSTAURADA NA ENUNCIAÇÃO COMO EM ALGUMA MEDIDA INCONGRUENTE. PARA TANTO, DEVE SABER QUE GARANHUNS É UMA CIDADE NORDESTINA E O NORDESTE NÃO TEM UM INVERNO RIGOROSO COMO O RETRATADO NA FOTO, AVALIANDO QUE O ENUNCIADO VIOLA A MÁXIMA DE VERDADE, O QUE POSSIBILITA AO LEITOR CONSIDERAR UMA IMPLICATURA NESSE CONTEXTO. PARTINDO DESSE PANORAMA DE UM SIGNIFICADO ADICIONAL E MOBILIZANDO O CONHECIMENTO SOBRE A DECLARAÇÃO DO MINISTRO, É POSSÍVEL AO LEITOR ASSOCIAR ESSA INCONGRUÊNCIA À FALA APARENTEMENTE INCONGRUENTE – E AQUI NÃO ENTRAREMOS NA DISCUSSÃO PORMENORIZADA SOBRE ESSE PONTO – DO MINISTRO, FEITA NO MESMO DIA DA PUBLICAÇÃO DESSE TWEET, DE MODO A ECOAR A FALA DE PAZUELLO. NESSE PONTO, À IMPLICATURA INICIAL, PELA VIOLAÇÃO DA MÁXIMA DE VERDADE, SOMA-SE A INFERÊNCIA DE ATITUDE AVALIATIVA, OU SEJA, A SUPOSIÇÃO DE INTENTO IRÔNICO, POSSIBILITANDO NÃO SÓ QUE ESSA PUBLICAÇÃO SEJA COMPREENDIDA COMO IRÔNICA, COMO TAMBÉM QUE O MINISTRO, EM SUA DECLARAÇÃO, SEJA IDENTIFICADO COMO O ALVO DA AVALIAÇÃO.
DADA A INSERÇÃO TEMPORAL DO TEXTO, É POSSÍVEL QUE, PARA AQUELES QUE COMPARTILHAM DOS CONHECIMENTOS NECESSÁRIOS LISTADOS ACIMA, ESSE PROCESSO DE COMPREENSÃO OCORRA DE MODO ATÉ MESMO AUTOMATIZADO; NO ENTANTO, PARA OS QUE NÃO COMPARTILHAM DE TAIS CONHECIMENTOS, A COMPREENSÃO DE PUBLICAÇÕES DESSE TIPO SE CONSTITUI UM DESAFIO (CF. HUTCHEON, 2000; MARQUES, 2016). NESSE SENTIDO, ENQUANTO PARA A MAIORIA DOS INTERACTANTES HOUVE A INFERÊNCIA DE INTENTO IRÔNICO, HAVENDO A SIGNIFICAÇÃO DA IRONIA PRETENDIDA, INCLUSIVE COM REAÇÕES ADOTANDO O MESMO TOM OU AINDA GERANDO EPISÓDIOS DE CONFLITO, PARA OUTROS 15 INTERACTANTES, A INFERÊNCIA DE INTENTO NÃO FOI FEITA E A SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA NÃO FOI ALCANÇADA, SEJA PELA FALTA DE IDENTIFICAÇÃO DA VIOLAÇÃO DA MÁXIMA DE VERDADE OU PELA FALTA DE INFERÊNCIA DE ATITUDE AVALIATIVA, COMO PODEMOS VER EM ALGUMAS RESPOSTAS AO TWEET REPRODUZIDAS ABAIXO.
 
OS DOIS PRIMEIROS COMENTÁRIOS PRESENTES NO EXEMPLO 1.2 DEMONSTRAM QUE OS SEUS AUTORES NÃO CONSIDERARAM QUE A PUBLICAÇÃO DE MAGALHÃES VIOLA A MÁXIMA DE VERDADE; NO PRIMEIRO COMENTÁRIO “VÁ A MARTINS/RN VERA. LÁ É LINDA E FRIA.”, PODEMOS COMPREENDER ISSO PELA INDICAÇÃO DE UM LUGAR FRIO NO NORDESTE, NÃO CONDIZENTE COM O PARÂMETRO DE FRIO INSTAURADO PELA PAISAGEM RETRATADA NA PUBLICAÇÃO. JÁ NO SEGUNDO COMENTÁRIO “QUEM TEM DINHEIRO 500K PODE CURTIR, ENQUANTO O POVO, PEGA ÔNIBUS LOTADO, PAGA CARONA COMIDA QUE SÓ AUMENTA POR CAUSA DOS EMPRESÁRIOS MAU CARÁTER. ISSO MESMO DIVIRTA-SE”, AINDA QUE HAJA POTENCIALMENTE UMA IRONIA TEXTUAL NO “DIVIRTA-SE” (PARA MAIS RECURSOS DE EXPRESSÃO DE IRONIA CF. HUTCHEON, 2000), O COMENTÁRIO TEMATIZANDO A DIVERSÃO DA JORNALISTA, CONTRASTANDO-O COM O SOFRIMENTO ‘DO POVO’, INDICA QUE O SEU AUTOR CONSIDERA A PROPOSIÇÃO DO TWEET COMO VERDADEIRA, OU SEJA, QUE A JORNALISTA ESTÁ VIAJANDO DE FATO. NO ÚLTIMO COMENTÁRIO DO EXEMPLO 1.2, POR SUA VEZ, O PRÓPRIO AUTOR CONSTATA A VIOLAÇÃO DA MÁXIMA DE VERDADE AO CARACTERIZAR A AUTORA DO TWEET COMO ‘MITOMANÍACA’, NO ENTANTO, O AUTOR NÃO INFERE A PARTIR DESSA VIOLAÇÃO UMA INTENÇÃO DE AVALIAÇÃO IRÔNICA, OU SEJA, SE LIMITA A AVALIAR ESSA VIOLAÇÃO COMO MENTIRA. DESTACAMOS AINDA O COMENTÁRIO DO USUÁRIO ‘VAI MALANDRA’, QUE AO QUESTIONAR “O Q EU PERDI?” EXPLICITA COMO O PROCESSO DE COMPREENSÃO É COMPLEXO E EXIGE DO LEITOR UMA POSTURA ATIVA, MOBILIZANDO DE CONHECIMENTOS ENCICLOPÉDICOS, FACTUAIS E, INCLUSIVE, LINGUÍSTICOS, PARA COLOCAR EM FUNCIONAMENTO O TEXTO E SEUS POTENCIAIS SIGNIFICADOS. NESSE CASO, O COMENTÁRIO DENUNCIA A AUSÊNCIA DE UM HORIZONTE MÁXIMO PARA A COMPREENSÃO TEXTUAL ESSENCIAL PARA PROCESSOS INFERENCIAIS (MARCUSCHI, 2008), ASSIM, MESMO RECONHECENDO A INCONGRUÊNCIA DA PUBLICAÇÃO, A AUTORA NÃO CONSEGUE INFERIR O INTENTO IRÔNICO E COMPREENDER EFETIVAMENTE A IRONIA.
OUTRO ACHADO INTERESSANTE DA ANÁLISE FOI A PRESENÇA DE 15 COMENTÁRIOS COM INFORMAÇÕES REFERENTES AO CHILE E À FRONTEIRA DO BRASIL. A RECORRÊNCIA DE UMA MESMA EXPRESSÃO ATIVOU, DURANTE A ANÁLISE, CONHECIMENTOS PRÉVIOS, A RESPEITO DE UMA DECLARAÇÃO DA JORNALISTA DE QUE HAVERIA PORTARIA ESPECÍFICA PARA FECHAMENTO DA FRONTEIRA DO BRASIL COM URUGUAI E CHILE (19/03/2020), CUJA INCONGRUÊNCIA ESTÁ NA INEXISTÊNCIA DE FRONTEIRA ENTRE BRASIL E CHILE. ATRAVÉS DA REPETIÇÃO DESSES TERMOS E DA EXPLICITAÇÃO DESSA INCONGRUÊNCIA, OS INTERACTANTES EVOCAM A FALA ANTERIOR DA JORNALISTA PARA LHE ASSINALAR AS MESMAS CONTRADIÇÕES, AVALIANDO-A NA MESMA MEDIDA EM QUE ELA AVALIA O MINISTRO DA SAÚDE EM SUA DECLARAÇÃO E CONHECIMENTOS DE GEOGRAFIA. ASSIM, O ALVO DA IRONIA DIRECIONADO AO MINISTRO DA SAÚDE É AGORA DIRECIONADO PARA A JORNALISTA, TRANSFORMANDO-A DE IRONISTA EM VÍTIMA DA IRONIA, O QUE APONTA PARA A ATUALIDADE DO JOGO IRÔNICO, PARTICULARMENTE AQUELE PAUTADO EM FORMAS DE INCORPORAÇÃO DISCURSIVA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A IRONIA ENQUANTO LINGUAGEM TEM COMO OBJETIVO A AVALIAÇÃO E ARTICULA DUAS DIMENSÕES INTIMAMENTE RELACIONADAS: DIMENSÃO DA INTERAÇÃO ENTRE O IRONISTA, O ENUNCIADO E O INTERPRETADOR E A DIMENSÃO DA INTERAÇÃO ENTRE O DITO E O NÃO DITO, PARA “DESMASCARAR OU SUBVERTER VALORES, PROCESSO QUE NECESSARIAMENTE CONTA COM FORMAS DE ENVOLVIMENTO DO LEITOR” (BRAIT, 2008, P. 140). A PARTIR DAS REFLEXÕES APRESENTADAS, CONCLUÍMOS QUE A MENÇÃO ECOANTE (SPERBER; WILSON, 1981) E O INTERDISCURSO (BRAIT, 2008) TÊM SIDO RECURSOS UTILIZADOS PARA ESTRUTURAR ENUNCIAÇÕES POTENCIALMENTE IRÔNICAS, ASSINALANDO CONTRADIÇÕES E INCONSISTÊNCIAS DOS DISCURSOS DE PERSONALIDADES PÚBLICAS, PRINCIPALMENTE POLÍTICAS. TAIS RECURSOS SE MOSTRAM EFICIENTES DO PONTO DE VISTA DO FUNCIONAMENTO DA IRONIA, POIS PERMITEM AO IRONISTA REALIZAR UMA AVALIAÇÃO IRÔNICA DEMASIADAMENTE AFIADA POR TER O ALVO EXPLICITADO ATRAVÉS DO ECO E, EM CERTA MEDIDA, SE PROTEGER AO MARCAR COMO FACTUAL O ENUNCIADO AVALIADO DO OUTRO. ASSIM, PERCEBE-SE QUE A APROPRIAÇÃO DO DISCURSO DO OUTRO NEM SEMPRE SE DÁ COM OBJETIVO DE REFORÇAR AUTORIDADE, PELO CONTRÁRIO A APROPRIAÇÃO COM FIM AVALIATIVO IRÔNICO TEM SIDO RECORRENTE, PRINCIPALMENTE NO CONTEXTO PÚBLICO EM QUE PERSONALIDADES PÚBLICAS SÃO FREQUENTEMENTE AVALIADAS QUANTO À SUA COERÊNCIA, INCLUSIVE, NA INTERAÇÃO ANALISADA, REVERTENDO ESSA AVALIAÇÃO PARA A PRÓPRIA IRONISTA.
POR OUTRO LADO, RELACIONAR A IMAGEM, A LEGENDA E A DECLARAÇÃO DO MINISTRO DESAFIA O LEITOR A MOBILIZAR UMA SÉRIE DE CONHECIMENTOS PARA QUE A SIGNIFICAÇÃO IRÔNICA SE TORNE POSSÍVEL, PRINCIPALMENTE QUANDO A ENUNCIAÇÃO NÃO É ACOMPANHADA DE RECURSOS METAIRÔNICOS. ASSIM, APESAR DE MAIOR PARTE DAS INTERAÇÕES PRESENTES NO TWEET SINALIZAREM PARA A COMPREENSÃO DA IRONIA, ALGUNS INTERACTANTES NÃO COMPREENDEM O OBJETIVO IRÔNICO, SEJA POR NÃO CONSIDERAR QUE A ENUNCIAÇÃO VIOLA A MÁXIMA DE VERDADE OU POR NÃO ATRIBUIR INTENTO IRÔNICO, SE LIMITANDO A CLASSIFICAR A INTERAÇÃO COMO MENTIRA, O QUE AFIRMA A RELEVÂNCIA DO PAPEL ATIVO DO LEITOR, INTERPRETADOR PARA O EFETIVO ACONTECIMENTO IRÔNICO.
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